Globalization, Social Justice and Human Rights        

 




Sumários   [Sumários em inglês] 

Lição 1. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 2. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 3. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 4. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 5. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 6. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 7. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 8. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 9. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020

Lição 10. 2012, 2013; 2014; 2016; 2017; 2018; 2019; 2020


Semestre de inverno 2020



Império

Democracia imperial - operação de alto risco

FRONTEX, UMA POLÍCIA DE UM REGIME AUTORITÁRIO, João Goulão, 2020

Lição 10. Apresentação de trabalhos de grupo pelos estudantes

Os estudantes apresentam os respectivos trabalhos de grupo para discussão

Lição 9. Apresentação de trabalhos de grupo pelos estudantes (continua)

Os estudantes apresentam os respectivos trabalhos de grupo para discussão

Lição 8. Direitos humanos das mulheres

Mulher é uma classificação pessoal e social de grande profundidade: talvez a de maior profundidade que se pode imaginar. É também um tema/sujeito de movimentos sociais e políticas públicas de primeira importância, antes e depois da II Grande Guerra.

No Irão, Afeganistão, mais recentemente na Turquia, e noutras partes do mundo, as mulheres estão sobre um ataque a partir das instâncias do poder. O poder divide com os homens a tarefa de subordinar as mulheres. Também em alguns lugares na Europa, como na Rússia ou na Polónia ou na Hungria, o estatuto das mulheres é minimizado, estigmatizado, usado para fins políticos.

As políticas de género na UE são uma marca política relacionada com os direitos humanos, com os direitos das mulheres e das crianças, mas separadas dos direitos dos imigrantes e das respectivas famílias ou dos povos primeiros, especialmente os ciganos, mas também todos os povos subordinados pelos estados-nação. Os direitos das mulheres e crianças parecem estar em alta, os direitos dos imigrantes e grupos étnicos estão em perda.

As políticas de género representam, ao mesmo tempo, a reacção humana aos modos de organização social patriarcal e a reacção das elites relativamente à denúncia do uso do sexo para promover as divisões de género, demarcando-se da “sociedade primitiva” como “civilização moderna”. Há avanços e recuos de culturas e processos de dignificação do sexo e géneros secundarizados, como das culturas e processos de discriminação sexual e de género, numa dança complexa.
A importância da classificação de género sexual para as políticas de heranças pode ser importante (só os homens podem herdar) ou minimizada ou abolida (também as mulheres podem herdar). Embora as discriminações possam favorecer a acumulação de capital, esta última não depende apenas da discriminação sexual. Outras formas de discriminação também ajudam a manter uma elite acumuladora perante populações de pessoas que não partilham das oportunidades ou riscos da acumulação de capital. As alianças entre as sociedades e os poderes dominantes (os estados modernos), porém, mantêm a memória da eficácia do uso das discriminações sexuais para efeitos de hierarquização social e da sua naturalização. Mesmo as sociedades mais liberais para as mulheres, continuam a não abolir as discriminações contra as mulheres, mesmo onde isso é proibido por lei. As lutas para voltar a estabelecer discriminações sexuais que estiveram em uso poucas décadas atrás também existem e fazem-se sentir com mais força, nos últimos anos, no ocidente.

Independentemente daquilo que aconteceu noutros países, como os citados acima.
É a naturalização das discriminações e dos estigmas contra quem possa estar maios fragilizado, como as etnias, os estrangeiros, os pobres, as mulheres, as crianças, os idosos, que tornou necessário e útil o desenvolvimento de direitos especiais para as mulheres. Os direitos das mulheres são direitos humanos. Isto é, os direitos humanos foram sendo interpretados de forma a excluir as mulheres (e outros grupos de pessoas) como se não fossem humanos. Então, contra tal realidade, criaram-se declarações de direitos humanos segundo a tradição muçulmana, direitos especiais para mulheres, crianças, imigrantes, povos primeiros. Procura-se assim compatibilizar as discriminações sociais que persistem e uma perspectiva de unificação da humanidade, para lá da reprodução recorrente das discriminações.
 

Lição 7. Imigração e retaliação

A globalização foi um projecto de mobilidade livre para capitais (dinheiro), mercadorias (comércio) e pessoas. A ideia era dar um novo passo no desenvolvimento.

Após a II Grande Guerra, os EUA e as ONU lançaram a ideia da ajuda dos países mais desenvolvidos aos países em necessidade (como o Japão e a Alemanha que tinham perdido a guerra, através do plano Marshall). Com a Guerra Fria criaram-se 3 mundos: o mundo desenvolvido (ocidental), o segundo mundo (comunista) e o Terceiro Mundo ou os países “em via de desenvolvimento”, isto é, países devedores perante os países mais ricos. O Terceiro Mundo era constituído pelos novos estados saídos da descolonização e os países colonizadores continuaram a retirar dali lucros (royalties). Nos anos 70, as relações azedaram entre os países do petróleo (queriam o petróleo mais caro) e os países consumidores (desenvolvidos). Internamente, a oposição à guerra e à falta de liberdades (dos estudantes, das mulheres) ganhou terreno. Então vingou o neoliberalismo e a globalização: o projecto de libertação das fronteiras para todos, como modo de aumentar a actividade económica (poder comprar e vender em toda a parte), reduzir custos (através da competição) e dar oportunidades iguais para todos, independentemente do país em que nasceram. O fim da União Soviética tornou esta ideia ainda mais poderosa, pois passou a ser possível organizar os 3 mundos com uma única lei (a lei do livre comércio da Organização Mundial do Comércio) para que a China foi insistentemente convidada para aderir. Finalmente a China aderiu e as classes médias dos países desenvolvidos começaram a sentir a concorrência: os seus salários deixaram de aumentar com a economia. Tudo quando se produziu a mais foi para enriquecer os mais ricos, os que vivem dos lucros e das rendas.

A globalização foi um projecto para democratizar o desenvolvimento, o modo de vida ocidental, tornando a Terra insuficiente em recursos para poder responder a tanta gente com modos de vida consumistas, destruidores do meio ambiente. Ao mesmo tempo, os ascensores sociais modernos, como as escolas e as profissões, revelaram-se insuficientes para evitar o aumento das desigualdades. (Provavelmente nem as escolas foram ascensores sociais diferentes dos que havia nas sociedades tradicionais nem o aumento das desigualdades começou apenas com o neoliberalismo – há uma distorção da realidade levada a cabo pelas ciências sociais que fazem a apologia do que está. Temos de o descontar para entender a realidade). A irmandade que se quer fazer da humanidade, por via da religião ou dos direitos humanos, na realidade é um campo de guerras.

Em particular, a liberdade de circulação que aumentou para as classes cosmopolitas é uma armadilha para aqueles que têm nacionalidade de países colonizados ou subordinados na ordem internacional, como os países africanos e os centro americanos que fornecem os imigrantes clandestinos que morrem e são criminalizados ao tentar passar as fronteiras para Norte. Fronteiras que viram construírem-se novos muros e prisões, onde se violam os direitos humanos, e criaram multidões de imigrantes “ilegais” que trabalham clandestinamente por salários mais baixos e em trabalhos que os locais não aceitam fazer.

O império, modo de organização muito antigo e cuja aplicação se expandiu e democratizou nas décadas mais recentes. Os novos estados pós-coloniais e as organizações multinacionais são exemplos de novos modos imperiais de organização. Os impérios sempre foram alvos de retaliações dos que se sentem prejudicados com eles. O império aprendeu a retaliar contra quem o combate, para poder sobreviver. Aprendeu muitas formas de dividir para reinar. Retalia contra os mais fracos com forma de intimidação dos outros, e distingue os mais fortes, instigando-os a servirem e servirem-se do império. Os imigrantes tornaram-se bodes expiatórios da globalização e da incapacidade dos estados e das organizações internacionais de cumprirem a promessa de livre circulação de pessoas. São usados para criar uma classe de clandestinos explorados e impotentes, ameaçadores das classes trabalhadores e médias. Os trabalhadores e as classes médias são encorajados a vingarem-se nos imigrantes, em substituição do império (das elites).

A retaliação do império contra os imigrantes não é por não os querer usar ou por os queres ter sob as suas ordens: é para os reduzir socialmente de modo a que não possam beneficiar dos apoios sociais que os trabalhadores conquistaram em troca do fim da política de luta de classes (no pós-guerra). Além de serem trabalhadores sem direitos ou com menos direitos, servem de bodes expiatórios (como se fosse por causa deles que a vida moderna não melhora a vida das pessoas). A criminalização selectiva serve para distrair as sociedades da organização da retaliação contra o império.
 

Lição 6. A esperança e o ódio

"One day" em 3 línguas, Haifa, 2018

Três mil pessoas a cantar a esperança na paz, em inglês, árabe e hebreu, têm uma relação estreita com o tema do nosso curso: globalização, justiça social e direitos humanos.

A globalização foi imaginada como o fim das ideologias e o fim da história (Fukuyama), no sentido de fim das guerras e das misérias a elas associadas. Na prática, com o fim da Guerra Fria, novas guerras foram organizadas, como as contra o terrorismo islâmico, contra os países do petróleo (Iraque, Irão, Venezuela) e, outra vez, contra a Rússia e a China.

A justiça social decorrente do direito à igualdade de tratamento, os direitos humanos referentes à afirmação da dignidade humana de todos os seres humanos, são declarações que contrastam com as realidades vividas: contrastam com a acumulação das riquezas, as desigualdades sociais crescentes, com a reprodução de castas, como as elites, as classes médias e os grupos estigmatizados (no dizer de Günther Jacobs, em o direito do inimigo, a casta dos impunes, a casta dos que se sujeitam aos códigos penais e a casta daqueles a quem a protecção dos direitos penais não se aplicam).

Como explicar a diferença entre aquilo que se diz e se canta, como uma oração aparentemente inconsequente, e as realidades da fome, da miséria, das torturas, do ódio, perante as quais nos sentimos impotentes?

Para explicar o crescimento da popularidade dos neo-nazi-fascistas na política de um modo que é difícil de compreender por parte das ciências sociais, dos politólogos, das sondagens de opinião, há que ter em conta a desistência das ciências sociais em se tornarem ciência. Profissionalizadas nos anos 30 e sobretudo no pós-guerra, as ciências sociais, como todos os cursos universitários, foram chamadas a tornarem-se úteis para a integração social das pessoas numa sociedade exploradora da Terra e dos seus recursos, incluindo os recursos humanos, os próprios profissionais. Hoje, cada um de nós divide-se entre o sacrifício de se preparar para trabalhar para quem precise de alguém capaz de cumprir certas tarefas e a evidência de o nosso trabalho colectivo estar a destruir o meio ambiente. A pandemia mostrou como a maioria das pessoas, sobretudo as menos protegidas, anseiam por voltar ao normal, apesar desse normal ser insustentável do ponto de vista ecológico e financeiro. Não são apenas as elites que estão a explorar a Terra. São as elites e quem para elas trabalha, nomeadamente os profissionais e também as outras pessoas que o fazem para terem dinheiro para comer.

Uma parte da explicação é o surgimento do espírito imperial, há alguns poucos milénios. A exploração das linguagens para discriminar (dividir e reinar) permite a manutenção de elites, acima do controlo social das massas. Os dirigentes que se perpetuam apenas têm de arranjar quem tome as culpas de quando as coisas correm mal, em vez dos responsáveis. Culpando grupos estigmatizados, inimigos externos ou internos, as elites arranjam nas massas seus aliados. É a isso que se chama política. Discriminar para produzir elites, alienando as evidências através da criação de estados de guerra reais ou imaginários.

As guerras entre estados reproduzem-se, em diferentes escalas, nas empresas, nas profissões, nas escolas. Por exemplo, nas ciências sociais existe a oposição entre as teorias académicas e as teorias críticas. O que essa “guerra” dissimula é o servilismo das ciências sociais profissionalizadas relativamente às elites e, em particular, aos estados nacionais, que é que as financia. Tal programa de profissionalização ocorre ao mesmo tempo que as teorias sociais acordam em negar um dos principais objectivos das ciências sociais: tornarem-se ciências, cumprir o resto do caminho entre a filosofia e a ciência.

As escolas, e também as escolas de ciências sociais, tornaram-se parte do problema e não parte da solução, face ao aumento da fome e da miséria, a irreversibilidade da destruição do meio ambiente. O surgimento do ódio explícito na política é facilitado também das políticas contra a violência e a favor dos direitos geralmente propostas pelas ciências sociais se manterem acriticamente inconsequentes, como a canção de esperança ou as declarações dos direitos humanos.

 

Lição 5. Justiça social e direitos humanos

Slides

Justiça Social e Direitos Humanos são expressões típicas das sociedades ocidentais do pós-guerra. A revolução social do século XIX, a perspectiva de uma vitória do proletariado sobre os capitalistas e o seu estado, foi substituída pela justa distribuição dos benefícios da exploração da Terra e dos seus recursos. A figura dos trabalhadores explorados em revolta foi substituída pelo estado soviético, da ditadura do proletariado, de um lado, e pela concertação social entre patrões e trabalhadores, sob a égide do estado, para negociar a parte do aumento do valor produzido que iria para pagar salários e para pagar investimentos, do outro lado. A revolução foi institucionalizada em processos negociais em torno da justiça. Os trabalhadores passaram a ser pensados como recursos humanos (a explorar) e cidadãos (com direito de voto, acesso ao consumo acima da subsistência).

Os direitos de participação política conquistados pela burguesia conquistados na Revolução Francesa foram alargados aos trabalhadores, como refere Habermas no texto citado no programa. A declaração dos direitos humanos, de 1948, na ONU, foi a actualização da declaração dos direitos do homem da Revolução Francesa. Será desta vez que todas as pessoas passarão a ser iguais de facto no acesso às condições mínimas de dignidade (não estar em situação de precariedade tal que não lhes permita tomar decisões sobre como organizar a sua vida pessoal)?

A experiência mostra que os direitos humanos são uma esperança e uma frustração, ao mesmo tempo. Apesar das instituições de direitos humanos se terem multiplicado, a começar pela protecção da ONU (e do Conselho da Europa) e pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), incluindo tribunais superiores especiais, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e os seus equivalentes noutros continentes, a especialização dos direitos humanos separados das políticas de defesa e de segurança interna, bem como do comércio e indústria, permite que se continuem a fazer guerras e perseguições policiais para efeitos políticos e económicos em violação dos direitos humanos. Isso acontece nos países mais pobres e mais longe da cultura ocidental e acontece também nos países mais ricos e mais poderosos (caso Assange, entre outros).

A especialização dos direitos humanos em várias direcções, na procura de proteger populações vulneráveis, como as mulheres, as crianças, os migrantes e suas famílias, os povos primeiros, os presos, revela ao mesmo tempo o vigor dos movimentos sociais contra essas discriminações sociais e a ignorância existente sobre as fontes dessas discriminações, pois essas continuam a produzir industrialmente maus tratos, tratamentos degradantes e torturas, a que os activistas e as instituições de direitos humanos apenas podem acudir em casos raros.

Amartya Sen, discípulo de John Rawls, reconheceu as limitações da justiça produzida pelos tribunais e apontou para a necessidade da produção de mecanismos económicos e sociais efectivos na concretização de “capabilities” (competências e capacidades) apenas produzidas pelas actividades de cuidado e amor perante as crianças por parte de adultos e famílias e comunidades livres de ameaças à respectiva integridade física e mental.
 

Lição 4. O que significa globalização?

A expressão globalização tornou-se tema de debates nas ciências sociais após o fim da União Soviética e da Guerra Fria. Os EUA tornaram-se a única superpotência no mundo e o seu modelo de economia e de vida tornaram-se hegemónicos. A nível económico, deixou de falar-se de “desenvolvimento”, de países em vias de desenvolvimento (que era muito vulgar ser o modo de referir o Terceiro Mundo – em que o primeiro era o mundo ocidental e o segundo era o mundo da esfera de influência comunista), e passou-se a falar de globalização. A nível político, deixou-se de falar em totalitarismo (de conotação negativa) para se começar a falar de discurso único ou “não há alternativa” (TINA no acrónimo inglês).

A expressão globalização começou a ser usada na academia nos anos 90 e perdeu o seu fulgor com a eleição de Trump como presidente dos EUA, 2016. A superpotência promotora da globalização, através da sua influência junto das instituições de governança global (ONU; OMC; BM; FMI; OMS; OCDE, etc.) virou as costas à globalização, reconhecendo o fracasso político e económico das últimas décadas. Nomeadamente, optando por abandonar definitivamente a ideia de “aldeia global” para retomar as estratégias de Guerra Fria, com a Rússia e a China, entretanto transformadas em potências capitalistas (na sequência da guerra contra o Islão radical e o terrorismo em nome do fundamentalismo cristão, guerra declarada por George W. Bush, Blair, Aznar em 2003, na cimeira dos Açores).

O trabalho de conceptualização da expressão globalização encontrou graves dificuldades: a globalização terá começado quando os primeiros humanos saíram de África ou quando os reis portugueses organizaram os Descobrimentos ou apenas nos anos 90? O neoliberalismo de Thatcher e Reagan, a ideologia da globalização, foi imaginada por Hayek, prémio Nobel da Economia em 1974, e posta em prática na política na década seguinte, antes do fim da Guerra Fria. Há, portanto, muitos antecedentes da globalização antes da expressão começar a ser usada. Por exemplo, a crise de entre guerras, que proporcionou aos EUA tornarem-se nova sede do império, substituindo a Inglaterra, inaugurou a era de estabilidade militar e de crescimento da economia no ocidente. Mais tarde, foi a crise do petróleo, em 1973, que esteve na origem de uma mudança de contrato social entre a divisão dos rendimentos entre o trabalho e o capital para a nova estratégia de estagnação dos rendimentos do trabalho e aumento máximo dos rendimentos do capital. Coincide com esse tempo o começo do consumo de capacidades não renováveis da Terra superior à capacidade de regeneração da Terra.

Atualmente, as elites políticas e económicas falam de reboot do sistema, orientando-se ideologicamente para o combate às alterações climáticas (economia verde) e para o desenvolvimento das tecnologias (economia digital). Ora, a ideia de as tecnologias servirem para resolver os problemas criados pelo sistema socio-económico, o modo de vida ocidental, o consumo de energias fósseis, é uma ideia com origem antes dos anos 80. É uma reacção das elites ao surgimento dos movimentos ecológicos. Por um lado, eles são censurados (desde os anos 60 que há consenso científico sobre o risco do aquecimento global, mas isso não transparece nem na política nem na comunicação social). Por outro lado as ideias ecologistas são recuperadas em nome do gosto pelo engenho humano para fazer máquinas e pela alegada necessidade de crescimento económico para resolver os problemas da pobreza (que se mantiveram e agravaram).

Na academia, preparada para formar profissionais e evitar os problemas políticos – deixados a cargo das elites –, a globalização é dissecada entre os seus aspectos tecnológicos (transportes, redes de informação e comunicação, biotecnologia, etc.) economia (capitalismo como único modo de sobreviver) político (naturalização hierarquias internacionais e sociais de privilégios e de estigmatizações), culturais, sociais, etc.. Apresenta-se a globalização como um resultado espontâneo da evolução da vida humana, o zénite do progresso, o melhor dos mundos possíveis. Tal apologia é de tal modo óbvia e intelectualmente incómoda que houve quem completasse a imagem da globalização com “outro mundo (outra globalização) é possível”, como os sociólogos Boaventura Sousa Santos ou Michael Burawoy. Usaram e usam os processos de unificação de movimentos sociais (falhados, até ao momento), inspirando-se neles para as suas avaliações do estado do mundo. Pessoas preocupadas com o “social” entenderam útil organizar, em contraponto aos Fora Económicos Mundiais de Davos (que reúnem elites económicos e políticas de todo o mundo, num exercício de globalização do pós Guerra Fria), os Fora Sociais Mundiais.

Lição 3 - História e Justiça social

Justiça Social é uma frase com duas componentes: a parte normativa e a parte social.

A sociedade idealizada, por exemplo, num partido ou numa elite, pode ser a representação de uma justiça social futura perante a qual todos se devem sacrificar hoje, como é entendida na China (e um pouco por toda a parte). A sociedade atomizada, feita de indivíduos justapostos, todos diferentes entre si, deve dar prioridade aos “mais” (criativos, ricos, competentes, famosos, etc.) e punir ou ter pena dos falhados, castigando-os e fazendo caridade ao mesmo tempo, para ver se se comportam melhor (a ver se não se queixam). Outra ideia de sociedade é aquilo que resta da acção das empresas sobre o mundo, reguladas por estados nacionais e pela comunidade internacional. Nesta perspectiva, não é preciso decidir se a justiça social é colectivista para o futuro ou individualista só para alguns. Trata-se de organizar instituições resilientes aos conflitos sociais e ideológicos, procurando corresponder às reclamações de um lado e do outro, para melhor o modus vivendi geral.

Justiça é um tema associado ao direito, a processos institucionais, e o social refere-se à unificação dos nacionais, sob o estados-nação. Os profissionais do direito conhecem mal e muito mal a sociedade – tratam de como as coisas deviam acontecer e estão bastante menos interessados em saber como as coisas acontecem. Os profissionais do social, sobretudo os de economia, estão muito menos interessados em saber como as coisas deviam ser. Querem sobretudo saber como fazer aquilo que é preciso fazer para obter resultados práticos, o crescimento da economia e os lucros e impostos para sustentar as empresas e os estados.

A justiça social não era uma preocupação no tempo do Rei Sol, o rei de Paris que se tornou Rei da França. Conseguiu isso através da política do estabelecer o monopólio do uso da violência para o seu séquito: O Estado sou Eu, dizia. No século XVII, com a construção de Versailles, Luís XIV seduziu toda a nobreza francesa a viver no luxo de Versailles, pago pelos rendimentos da colonização (escravatura, transportes, mercadorias internacionais), sob a ameaça de hostilidade do Rei contra os nobres que não aceitassem o gentil convite. Em contrapartida, integrar a corte significava partilhar os recursos sacados na empresa imperial. Ainda hoje este mecanismo de “justiça social” e pacificação social está a funcionar.

A Sociedade de corte, as pessoas que aprenderam a viver numa reclusão luxuosa, acabaram por, com Luís XVI, conhecer uma reacção dos populares que fizeram a Revolução Francesa. A fome contrastava com a opulência. A injustiça da sociedade que tomava para si todos os recursos e abandonava os seus vizinhos e súbditos foi contestada. A justiça social começou a ser um problema. Em 1848, mais de meio século depois, a fome voltou a ser um catalisador de revoltas populares e de luta contra a aristocracia desligada da realidade da vida das pessoas. Sem justiça social, em particular sem comida barata, acessível a todos, os riscos da miséria popular incomodar os planos de exploração da Terra por parte dos aristocratas e burgueses tornaram-se evidentes. Ainda hoje a principal política da UE é a política agrícola comum, isto é, subsídios para os produtos alimentares.

A justiça social, o combate à pobreza e às desigualdades sociais, passou a ser uma expressão usada para referir as promessas de bem-estar e dignidade, que os Direitos Humanos depois da II Grande Guerra também prometeram.

Habermas conta a história da evolução do estado moderno em termos dos diferentes paradigmas de funcionamento das leis. A juridicização é a expressão que usa para se referir aos processos de divulgação e incorporação de normas jurídicas impostas às populações de forma cada vez mais intensa e detalhada, com os seus benefícios (de independência das pessoas umas das outras, todos iguais perante a lei) e as suas dificuldades (em como as autoridades escolares e judiciais, ou outras, são chamadas a intervir em situações que desconhecem e não têm tempo nem vontade de conhecer, tornando a intervenção dos agentes de justiça e das leis eventualmente negativa para as pessoas que alegadamente deveriam ser protegidas e defendidas).
 

Lição 2 - Justiça social, ciência e justiça

O tema do curso é aprender a julgar tão objectivamente quanto possível o impacto da globalização na justiça social e nos direitos humanos. Para o efeito, será necessário ter uma ideia clara do que significam essas 3 noções controversas e, ao mesmo tempo, reflectir nas mútuas relações entre elas.

Será possível ser objectivo? Haverá uma verdade a esse respeito? Será essa verdade revelada – pela religião ou pela filosofia – ou será uma verdade científica? Além da discussão das 3 noções que dão nome à cadeira, há ainda a discussão de saber o que é ciência moderna, aquilo que normalmente se diz ter rompido com a filosofia e a religião para produzir verdades de aplicação universal sujeita a testes empíricos? Questão suplementar: serão as ciências sociais semelhantes, no que toca à procura da verdade, tão eficazes quanto as ciências naturais?

A aula foi dedicada a discutir a noção de justiça social. O texto de Novak apresenta um conceito de justiça social centrado na pessoa e na discriminação entre as pessoas mais e menos criativas. As mais criativas deveriam ser especialmente protegidas e apoiadas para fazerem o que melhor entenderem, mesmo à custa das oportunidades das menos criativas, porque com a conquistas das pessoas mais criativas – self made man, empresários inovadores, grandes líderes, etc. – oferecem à humanidade modelos de comportamento que quando replicados favorecerão a elevação do nível de vida de todos. Esta concepção é especialmente apreciada nos EUA. Na China a justiça social é a finalidade dos planos de acção do Partido Comunista Chinês. Em 2050, se tudo correr como planeado, o socialismo à chinesa estará maduro naquele país. Justiça social é todos e cada um colaborar com o PCC na obtenção desse resultado, para que na data prevista o planeado venha a ser real. Outro conceito de justiça social é institucionalista, o mais reconhecido na Europa Ocidental. Justiça social, do ponto de vista institucionalista, será a identificação de injustiças e a construção de instituições capazes de as minimizarem ou até abolirem. Em vez de acreditar no esforço individual ou na direcção colectiva, o institucionalismo observa a dificuldade em se conseguir obter voluntaristicamente os resultados planeados. Perante essa realidade, a dissonância entre o que cada pessoa pensa e diz e aquilo que faz e, ainda mais, com os resultados práticos da acção social, o institucionalismo toma como melhor sugestão para se atingir a justiça social possível em cada momento determinar finalidades, recursos investidos para as realizar, pessoas responsáveis temporariamente para dirigir esses esforços, sistemas de avaliação de resultados, modos de reorientar as instituições sempre que se decidir ser útil fazê-lo. Em África, a noção de justiça social parece estar longe das principais preocupações políticas na maioria dos casos.

Embora possa ser útil compreender diferentes atitudes civilizacionais, divididas por continentes, relativamente à justiça social (não falamos da civilização muçulmana), o que é certo é estes conceitos aqui apresentados de forma simplificada têm partidários em todos os continentes e são conhecidos por toda a parte, ou não vivêssemos na era da globalização, em particular na era da globalização da informação. Há teorias e ideologias individualistas, colectivistas e institucionalistas em toda a parte, misturadas entre si.

Além das ideologias e das histórias de cada continente e país, a noção de justiça social é também vista diferentemente consoante a disciplina cognitiva mobilizada. John Rawls, por exemplo, pensando como jurista e falando para juristas, desenhou um conceito de justiça como fairness (equilibrada, leal). Partiu da ideia de a economia (a sociedade) produzir sempre desigualdades para chegar à ideia de que os tribunais deveriam interpretar a lei e os resultados da sua aplicação de modo a não as aumentar, e se possível diminuí-las. O seu discípulo Amartya Sen, economista, laureado com o prémio Nobel, desenvolveu a teoria de Rawls no sentido da economia: a justiça é aumentar quanto possível as capacidades de autonomia (capabilities) de todas as pessoas. Ambas estas teorias são liberais, isto é, concebem as pessoas em prioridade face à sociedade, prioridade que os colectivistas invertem.

A respeito do enfrentamento da COVID-19, é fácil observar a diferença de políticas entre a China e a Europa e os EUA, correspondentes de algum modo com as teorias de justiça social aqui expostas. Mais difícil é saber se os idosos estão a ser bem tratados ou mal tratados ou se a saúde mental está a ser atendida pelas políticas de confinamento e de controlo de movimentos das pessoas. Ou compreender a formação de movimentos de resistência às anunciadas vacinas, entretanto alvo de disputas políticas e financeiras globais, como o mostra a constituição de uma aliança global para a vacinação no mundo.
 

Lição 1 - Apresentação do curso; A pandemia como fenómeno global

A epidemia vem a par de outros fenómenos globais, como a onda de extrema-direita na política (populismo ou neo-nazi-fascismo?), a diferença de crescimentos económicos em diversas partes do mundo, a crise financeira de 2008 que se tornou o novo normal financeiro.

A xenofobia, por exemplo, vem sendo estimulada por diversas políticas, como a guerra contra o Islão radical (2003), os castigos contra os povos do Sul da Europa (corruptos, preguiçosos, alcoólatras e demasiado sexuados) (2010), discriminação nas migrações (venda de nacionalidades, por um lado, e compra de serviços de retenção de imigração no Norte de África e no Médio Oriente, por outro lado), criminalização das pessoas em situação administrativa irregular, aplicando penas de morte arbitrárias às que não conseguem ser resgatadas do Mediterrâneo.

Será a pandemia parte de um processo complexo e geral que só pode ser entendido confusamente? Ao mesmo tempo como uma doença, uma nova política de saúde, uma nova forma de discriminação (etária, contra ou a favor dos mais velhos, contra a favor dos mais novos, contra ou a favor os trabalhadores indispensáveis ou dispensáveis), uma nova prioridade estratégica, que deixou de ser dirigida economicamente e passou a ser dirigida por critérios de saúde pública? Será a pandemia um fenómeno singular, sem precedentes, que requer ser olhado como tal? Nenhum ensinamento do passado pode ajudar a saber o que fazer agora?

É interessante notar que há duas abordagens à ciência: uma particularista e especializada, em que os contextos ambientais e históricos são dispensados, outra holista e histórica, em que os contextos são também discutidos. Em qualquer caso, passou a haver académicos e comentadores que referem a sensação de déjà vu que lhes suscita a situação actual: um avanço aparentemente inelutável dos sentimentos de vingança centrados em bodes expiatórios e de práticas políticas violentas que pretendem fazer justiça pelas próprias mãos.


Semestre de inverno 2019


Justiça e ambiente biblio

Justice climatique et interaccionisme - artigo

El derecho penal no es amigo de las travestis, tampoco es amigo de las trabajadoras sexuales, y solo fortalece el monopolio estatal de la violencia - Judith Buttler

Lição 10 - Estudantes apresentam os seus trabalho para discussão

Sete estudantes apresentaram os seus trabalhos. O trabalho comparativo entre as diferentes situações dos países e os direitos humanos foi predominante: os cinco objectos escolhidos foram LGBTI, especialmente na Rússia, a situação da educação, especialmente no Paquistão, a mutilação genital e as tradições africanas foram tratadas por dois estudantes, a pobreza, especialmente na Sérvia. Os outros dois temas foram sobre direito, prisões e neoliberalismo e os usos devastadores dos media sociais, por exemplo para fins de terrorismo ou bullying ou manipulação de votos democráticos.
Maneiras interessantes de apresentar e assuntos muito relevantes cativaram as aulas por 2 horas seguidas. Dos principais temas do curso, a justiça social não foi tão considerada como Globalização e Direitos Humanos.
De qualquer forma, a globalização foi tratada através de novas tecnologias, problemas e ideologias que não estavam disponíveis antes dos anos 80. Mutilação genital, violência doméstica, respeito LGBT ou abuso sexual, não eram um problema antes dos anos 80. É uma vitória para os direitos humanos e ativistas feministas a tematização hoje em dia dessas questões. Os media sociais e o neoliberalismo também são novidades surgidas nas últimas décadas, contrastando com os tempos anteriores.
A maioria desses estudos, como mencionado anteriormente, utiliza métodos nacionalistas. Existe o risco de reificação da população nacional. Diferenças, conflitos, situações sociais e econômicas muito diferentes entre aqueles que vivem sob a mesma ordem de um estado-nação não foram mencionados como o prato principal das apresentações. Podiam parecer uma competição estatística entre países, em vez de análises mais aprofundadas sobre o que acontece quotidianamente na experiência de pessoas diferentes que vivem no mesmo país.
Os vínculos entre diferentes partes e pessoas de diferentes países, construindo a globalização, excluindo outras pessoas que vivem nos mesmos países, as que não têm nenhuma chance de aproveitar os benefícios de tecnologias, conhecimento, empregos, não foram tão referenciadas. As questões econômicas e políticas foram mencionadas de maneira desequilibrada, pois foram apresentadas como mais secundárias do que realmente são na vida real. Obviamente, isso é uma consequência de nossa especialização em sociologia. De qualquer forma, talvez alguém possa desafiar o viés que criamos para iniciar uma análise.

Lição 9 - Estudantes apresentam os seus trabalho para discussão (cont)

Lição 7 - Reflexões adicionais sobre a justiça social:

A – Ensaio de conceito geral de justiça: facto de reconhecer a uma pessoa o seu devido lugar num grupo. Experiência de injustiça: experiência de ser colocado num lugar que não o lugar onde a pessoa que iria ficar no grupo / de receber outra coisa do que o que esperava receber dos outros no grupo / de ter que fazer outra coisa do que pensava que deveria fazer no âmbito do grupo. Estas experiências como geradoras de forças, porque a pertença a colectivos é geradora de força; logo a experiência de não se encontrar acolhido no grupo como se pensava é uma experiência de privação de força, à qual a pessoa reage "fazendo força" para reencontrar as forças perdidas.

B – Partindo desta definição, cada tipo de grupo corresponde a um tipo de justiça. Os vários conceitos e os seus contextos históricos: A justiça universal responde ao sentimento de injustiça de quem sofreu os efeitos de uma conduta proibida, numa colectividade onde alguém tem os meios de castigar quem adoptou esta conduta (chefe, rei). Distinguem-se a justiça comutativa e a justiça distributiva numa colectividade onde se distinguem uma esfera pública onde se processam relações de troca entre prestações equivalentes, e esferas privadas nas quais cada um recebe de acordo com a sua posição. C - O conceito de "justiça social":  a reivindicação de "justiça social", que surge durante o séc. XIX, também pode ser relacionada com um tipo específico de colectividade: a sociedade nacional moderna. Características: claramente delimitada pela nacionalidade; produzindo mais do que apenas o necessário para a subsistência; dividida pela formação, que resulta do processo de produção, de categorias sociais que acedem de maneira notoriamente desigual aos produtos; que é suposta governar a si própria graças a instituições democráticas. A "justiça social" que se reivindica numa colectividade com estas características é "social" no sentido em que (1) tem como colectividade de referência uma "sociedade nacional", (2) apela à distribuição do produto da actividade societal, (3) diz respeito à situação de categorias inteiras da sociedade, (4) deveria resultar de decisões tomadas pela própria sociedade através de processos políticos. –

D - Justiça social e globalização: propõe-se esquematicamente duas perspectivas: (a) A globalização conduzindo a uma exigência de justiça social global. Neste sentido: (1) circulação de informações que favorecem em muitos lugares a percepção do que se vive nas outras partes do mundo; uma discussão mundial sobre os direitos humanos; factores que dão substância a uma noção de humanidade como colectividade concreta; (2) actividade económica programada para associar intervenientes do mundo inteiro, e observada por entidades especializadas enquanto actividade humana global; (3) percepção de desigualdades entre regiões do mundo; de desigualdades que atravessam todas as regiões (questão do género, em particular). Em contrapartida (4): não existem actualmente estruturas que permitam acordar em termos vinculativos políticas de protecção e redistribuição à escala global. O que obriga a adoptar a outra perspectiva: (b) A globalização alterando as nossas percepções dos colectivos a que pertencemos até ao ponto de os sentimentos de justiça correspondentes não poderem ser qualificados, num sentido mais preciso, de aspirações à "Justiça social": (1) migrações, alterações culturais, individualização, que poderiam, a longo prazo contribuir para a integração de uma sociedade-mundo, na actualidade estão a pôr em causa os contornos das sociedades nacionais (o que poderá suscitar reacções xenófobas); (2) a actividade produtiva mundial se revela predatória; o produto susceptível de ser redistribuído poderá deixar de crescer e até diminuir; (3) a diversidade do problemas enfrentados segundo as regiões impossibilita a formulação de reivindicações eficazes, comparáveis às do operariado à escala nacional do fim do século XIX-séc. XX. Vejam-se as dificuldades de entendimento nos Forums sociais que se organizaram na última década; as tensões entre os sindicatos e ONGs representativas de outros interesses. (4) A esfera política altera-se pelo facto de, no plano mundial os estados agora coexistirem com actores privados organizados em grande escala (multinacionais, ONG). Os estados deixam de estruturar economias nacionais; encontram-se condicionados pelas estruturas da economia mundial (mercados, organizações internacionais empenhadas em melhorar as condições de funcionamento destes mercados; empresas escolhendo os estados onde / pelo meio dos quais operam. - Neste contexto, a reivindicação global já não é apenas uma de melhor redistribuição de bens e serviços, mas de uma participação - digna - na actividade societal, isto é: em condições decentes, e com alguma estabilidade. Veja-se em particular as tomadas de posição da OIT a favor do "trabalho digno".

E – Emergência da noção de justiça climática: numa sociedade que faz a experiência de uma acção colectiva prejudicial ao meio ambiente, com consequências para membros da sociedade, surgem estas questões: como distribuir os esforços destinados a reduzir os prejuízos? Como garantir que os prejuízos não atinjam uns muito mais do que outros? Se se instalou uma certa noção de igualdade noutros domínios, desigualdades nestas matérias serão vividas como injustiças. Se se interiorizou que os estados deveriam garantir uma certa protecção às suas populações, a ausência de intervenções e sanções nos casos graves de poluição que afectam a saúde e a vida de parte da população será vivida como injustiça.

 

Discussão destas definições: - importante não se limitar às sociedades modernas ocidentais. – não esquecer que é pouco provável uma pessoa pertencer apenas a um grupo; pertencemos a uma multiplicidade de grupos, cada um gerador de experiencias de (in)justiça diferentes; - estados nacionais representam contextos artificiais susceptíveis de gerar experiências muito variadas de pertença a colectivos. Além disto, está longe de ser pacífico que se tenha do estado a experiência de uma entidade que protege contra a violência, nomeadamente pela polícia. O estado / a polícia pode ser experienciado como principalmente exercendo violências contra as pessoas.

 

Lição 6. O lugar dos estados no processo de globalização.

Ponto de partida: um texto de Jürgen Habermas, "Tendência para a juridicização" (1981)

Sobre Habermas: ligado à “Escola de Frankfurt”, mas mais otimista do que seus fundadores, Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, por ter testemunhado a rapidez com que o mundo e a Alemanha se recuperaram da Segunda Guerra Mundial. Supõe que o potencial da razão moderna seja ambivalente. Portanto, é importante entender exatamente como a razão funciona. A razão desenvolver-se-á a partir da comunicação; portanto, o que está em jogo é entender melhor como nos comunicamos. É por isso que ele dedica muitos anos ao desenho de uma teoria da ação comunicativa. Ele também pretende usar essa teoria na prática. Veja-se as suas recentes contribuições sobre a situação dos debates públicos em toda a Europa. - O texto indicado é um dos últimos capítulos do livro Teoria da Ação Comunicativa (1981). O livro desenvolve essa teoria; e este capítulo visa ilustrá-la, aplicando-a ao desenvolvimento do Estado Alemão.

Esboço muito curto do componente principal da teoria da ação comunicativa de Habermas: nas sociedades modernas, comunicamo-nos de duas maneiras muito diferentes. Por um lado, de maneiras altamente codificadas, usando símbolos definidos para além do nosso alcance. Esse tipo de comunicação ocorre nos sistemas. No sistema económico, usamos dinheiro; em sistemas políticos e administrativos, agimos de acordo com a capacidade formalizada de ação (poder). Por outro lado, construimos permanentemente o significado das palavras que usamos, aproveitando a experiência do mundo que compartilhamos com as pessoas com quem interagimos. Habermas chama o domínio da realidade social onde ocorre o "mundo da vida". A comunicação codificada torna possível a ação social em escala de estados ou arenas supranacionais (programa Erasmus!); por outro lado, condiciona nossa capacidade de produzir novos significados nas interações em que participamos. Um problema da modernidade é articular esses dois tipos de comunicação.

Habermas, concluindo o livro "Teoria da ação comunicativa", queria ilustrar essa teoria com exemplos empíricos. Ele encontrou um exemplo em pesquisas sobre a lei, sobre processos de "Juridificação". Tais processos pareceram-lhe um bom exemplo do impacto da comunicação sistémica na comunicação no mundo da vida. - Processo histórico de diferenciação de "sistemas" e "mundo da vida". - Etapa 1: o direito moderno permite a diferenciação dos "media" que fará o desenvolvimento do sistema político e económico (p. 358). Um "meio" (um conceito emprestado por Parsons) é um mecanismo que facilita a circulação de um certo significado. O dinheiro permite a circulação do significado do valor económico. O conceito moderno de poder facilita a comunicação sobre o direito que uma pessoa tem de dar ordens a outras pessoas (como um polícia pode fazer). - (b) As relações que poderiam, a partir de então, ser estabelecidas entre as pessoas e o Estado (todas obedecendo à mesma regra) e entre pessoas diferentes (todas com direitos comparáveis ​​de celebrar contratos), deram crescente relevância à relação entre as pessoas terem os mesmos direitos, o que significa que as definições das relações sociais decorrentes de certas comunidades locais perderam seu significado e "abstraíram-se do substrato histórico das formas de vida pré-modernas" (p. 359). - Etapa 2: a esfera da relação entre indivíduos autónomos adquire, poder-se-ia dizer, substância, nomeadamente como um efeito de desenvolvimentos culturais: é o momento em que os romances começaram a circular graças aos livros impressos e quando uma nova procura de teatro apareceu (veja a importância das obras de Shakespeare e Cervantes). A esfera em que a interação moderna é vivenciada vai ganhando "forma" e é reconhecida pelo Estado, que confere "direitos civis acionáveis" aos cidadãos, de pessoas que contestam o soberano (p. 359). É assim que o mundo da vida moderno surge, pela diferenciação de personalidade, sociedade e cultura. Durante esses dois passos, a evolução do direito moderno corresponde a um contínuo fortalecimento das garantias de liberdade. - Etapa 3: com a independência dos EUA e as revoluções burguesas, as pessoas adquiriram direitos políticos e o Estado começou a legitimar-se em processos que dão voz aos cidadãos. Durante esta etapa, no entanto, a evolução da relação entre estado e mundo da vida é ambivalente. Por um lado, as pessoas têm novos direitos; por outro lado, para a implementação desses direitos, são estabelecidos mecanismos que criaram lacunas entre a experiência política dos cidadãos e o funcionamento do sistema político: partidos políticos, elites governamentais, meios de comunicação de massa controlados por minorias, etc.. Nesse sentido, a liberdade do povo é limitada (p. 364). Etapa 4: o desenvolvimento do sistema económico gerou graves desigualdades. Haverá tentativas de compensar essas desigualdades através dos direitos sociais. É provável que esses direitos sociais melhorem as condições materiais de vida das pessoas, mas também permitem medidas intrusivas por parte do Estado, impactando as relações pessoais (por exemplo, entre pais e filhos, ou entre professores e alunos). Esse tipo de intervenção limita a possibilidade de as pessoas definirem, por sua própria ação comunicativa, em interação direta, o significado do mundo em que vivem, o significado do que fazem e a sua capacidade para construir a sua própria identidade.— Quando ele escreveu este capítulo, Habermas estava preocupado principalmente com o desenvolvimento do estado alemão.

Alguns anos após a conclusão da teoria da ação comunicativa, a Alemanha teve a oportunidade de se unificar, após a queda do Muro de Berlim. A partir desse momento, tornou-se crucial para a Alemanha redefinir seu lugar na Europa e no mundo, e Habermas começou a trabalhar no que chamou na época de "Constelação Pós-Nacional". Desde então, ele publicou vários artigos sobre a Europa e sobre os esforços para estabelecer uma ordem internacional. Os conceitos usados ​​para analisar o desenvolvimento de um estado, a Alemanha, provaram ser úteis para enfrentar essas questões internacionais. Por duas razões: a sua análise do mundo da vida permite entender como as pessoas e os tópicos do debate podem circular além das fronteiras nacionais, dando origem a uma esfera pública global - mesmo que frágil -; a sua análise dos sistemas políticos e económicos ajuda a entender como a economia pode desenvolver-se nos mercados transnacionais e como os sistemas políticos nacionais podem desenvolver mecanismos de cooperação com outros sistemas políticos nacionais.

Numa segunda parte da aula houve uma discussão sobre o surgimento da classe trabalhadora como ator político nesse desenvolvimento do estado. Consegue-se organizar como um movimento social no final do século XIX. Para atender às reivindicações desse movimento social, os estados desenvolvem sistemas de proteção social para corresponder às necessidades dos trabalhadores em cada país. Como resultado, os estrangeiros são significativamente negligenciados por esses sistemas. Juntamente com outros processos semelhantes, isso leva a uma situação em que a lei se aplica apenas a uma parte da população, enquanto outra parte é ignorada, ou mesmo considerada inimiga, ou em casos extremos como não humana. Respondendo a essa tendência, surgem novos movimentos sociais, defendendo mulheres, pessoas de cor, regiões e assim por diante ("novos movimentos sociais"). Recentemente, novas categorias de pessoas estão a tornar-se ativistas, usando os media sociais ("novíssimos movimentos sociais "), como jovens excluídos do mundo do trabalho. Além desses movimentos sociais, foram criados atores organizados. Sindicatos no final do século XIX; mais recentemente ONGs. Entre os atores organizados, vale destacar a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada de alguma forma para combater o fechamento nacional dos sistemas de relações industriais. Durante a Guerra Fria, a sua influência foi reforçada, por um lado, pela existência do bloco socialista, que alegava ter alcançado justiça social, forçando o outro lado a desenvolver sistemas de proteção social; por outro lado, a sua ação foi severamente condicionada precisamente pela Guerra Fria e pela necessidade de manter equidistância entre os dois blocos. Após a Guerra Fria, no processo chamado globalização (vejam-se as aulas anteriores), a OIT voltou a ter mais espaço para iniciativas políticas internacionais, na verdade naquilo que poderia ser chamado como uma competição com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, por outro lado, os governos nacionais, na ausência de um bloco "socialista", agora estão muito mais relutantes em reconhecer efetivamente os direitos sociais do povo.

 

Lição 5. Injustiça, lei, tribunais e diversos paradigmas judiciais

O sentimento provocado por assistir ou viver uma injustiça produz muita energia pessoal e social. Tal energia, raiva, angústia, tem de ser dirigida e orientada. Uma forma de orientar as energias de tais sentimentos é reclamar e produzir um acordo social sobre o desvalor da injustiça: em abstracto, por exemplo, não se deve matar. A formalização de um tal acordo pode ser uma recomendação de não matar. Isso pode ser feito a soldados em situação de guerra ou polícias em acções repressivas. Pode ser também uma proibição de matar: a condenação de princípio de qualquer acção que produza, voluntária ou involuntariamente, a morte.

A existência e persistência da proibição de matar significa que há muitos casos de homicídio. A ambiguidade sobre a proibição (ela pode ser suspensa em caso de legítima defesa) significa que a proibição, o acordo social sobre uma lei, não é suficiente para acabar com os problemas e os actos homicidas. O que fazer?

Podem desenhar-se instituições encarregues de lidar com problemas desse tipo, os tribunais, de modo a que as pessoas comuns não sejam empatadas no seu dia a dia por casos de julgamento complicado. A profissionalização do modo de aplicação das leis, dos acordos sociais sobre o que são injustiças e como devem ser evitadas, e sobre práticas sociais que podem ajudar a criar condições de melhor justiça social, poupa a generalidade das pessoas de pensar sobre as injustiças. Entregue a justiça aos juristas e aos políticos, isso permite-nos pensar que geralmente as acções humanas são justas, mesmo quando esse não é o caso. Funciona aqui a lógica do pensamento positivo e a omissão de ajuda ou sequer compreensão em situações negativas, como as de vitimação. Mesmo as vítimas, sempre que podem, escapam do seu papel de vítimas para esquecer aquilo que as vitimou, desvalorizando-o.

Cada ser humano faz parte de uma espécie com grande capacidade de adaptação, com grande plasticidade. No reverso da moeda, cada pessoa necessita, ao contrário das formigas e das abelhas, construir psicologicamente a sua identidade própria, a sua pessoa, a qual dá estrutura à plasticidade original, dá forma às vastas potencialidades que não podem concretizar-se todas ao mesmo tempo. Há que fazer escolhas na vida e tais escolhas definem a nossa personalidade e a nossa identidade. Tornamo-nos, assim, sensíveis a tudo quanto possa estar no caminho entre aquilo que somos e aquilo que queremos ser. Sobretudo se isso for injusto, isto é, se não existirem motivos de valor semelhante a impedir o cumprimento dos desejos de cada um.

A lei e o direito resultaram da cultura especializada e profissionalizada que acumula conhecimentos e modos de proceder capazes de minimizar as injustiças. A lei serve os proprietários e o capitalismo, como serve a afirmação social da dignidade das mulheres, quando ela é secundarizada sistematicamente e quando o clamor público eleva a aspiração de acabar com a injustiça de tratar desigualmente aquilo que deveria ser igual para todos: o respeito pela dignidade. A lei serve os poderosos, incluindo os movimentos sociais de contestação dos poderes dos poderosos, seja para os abolir – quando de trata de privilégios – seja para os democratizar – quando se trata de direitos fundamentais, como os direitos humanos.

Como se faz a mobilização contra as injustiças, para se fazer justiça? Como as energias sociais criadas pelas reacções existenciais à experiência de injustiças se transforma em justiça protegida por instituições?

Há a regra de Talião, olho por olho, dente por dente, morte por morte, como ainda hoje fazem os países que praticam a pena de morte. Isso foi um avanço perante as práticas de retaliação desproporcionadas com que os mais fortes esmagam os mais fracos, num circulo vicioso de retaliações. Mas é possível ir mais longe: transformar em tempo de isolamento numa prisão qualquer crime, em função de uma tabela de correspondências entre o tipo de crime e o número de anos correspondente à pena. Ou mais longe ainda, sobretudo quando os crimes são tantos e tão generalizados que não é possível ou desejável condená-los a todos: a justiça restaurativa. É uma justiça de reconciliação, de criar condições para que a situação fique como estava antes dos crimes ocorrerem. Continuando a pensar como fazer justiça, os Generation Five (PT) pensaram em adoptar a justiça transformativa. Diagnosticaram como um mal social estrutural aquilo que cria as condições sociais para que os abusos sexuais de crianças ocorram. A experiência mostrou-lhes que a justiça restaurativa, a manutenção das condições sociais que favoreceram o crime em causa, esgota as energias dos activistas que apoiam as vítimas sem progresso social nem da situação de cada pessoa. Embora tenham compreendido a dimensão da tarefa que encararam, recomendam que se comece quanto antes a trabalhar numa tarefa que presumem dever ocupar as próximas 5 gerações: abolir as condições sociais que admitem o abuso sexual de crianças, isto é, identificar e abolir como práticas injustas os processos de controlo da prole humana, seja manipulando as crianças abandonadas, seja condicionando a liberdade das mulheres para que sejam os homens a controlar os filhos.     

Lição 4. Justiça Social

Comparando a teoria da justiça de Sen com a do seu mestre, John Rawls, percebe-se que o conceito de capacitação implica uma ligação entre poder e os cuidados: entre a capacidade de desenvolver poder social e a produção social de pessoas que incorporam capacitações. A proposta de justiça de Rawls para orientar juristas profissionais é ampliada por Sen para fora do sistema de justiça, através do conceito de capacitação.

O compromisso com a hierarquia profissional que fornece justiça ao público, de Rawls, é substituído pela rede cuidados sociais que Sen pressupõe.

O conceito de capacitação de Sen é interdisciplinar, pois mescla direito, economia, problemas sociológicos e diferentes níveis de realidade. Este é um acontecimento raro.

As tendências para hiperdisciplinaridade nas ciências e nas ciências sociais desenvolveram-se desde a Segunda Guerra Mundial, para apoiar o esforço de guerra dos aliados e o desenvolvimento económico e tecnológico da civilização ocidental centrada nos EUA. O desenvolvimento extraordinário das ciências, e btambém das ciências sociais torna-as dependentes do estado. As ciências sociais desistem de trabalhar para um status científico pleno, quedando-se num limbo entre humanidades e ciências naturais. Como ciências moles, as ciências sociais não desenvolvem pontes: desenvolvem muros entre si, entre diferentes tipos de conhecimentos incomunicantes. Sobre isso, recomendo a leitura (Kuhn, 2016) e (Jim Schofield, 2018). A parte teórica do trabalho científico é desprotegida e desvalorizada. As tarefas de modelagem matemática e experimentação tecnológica orientadas pela ciência são avaliadas independentemente dos quadros teóricos que lhes dão sentido. Esse estado de coisas tem consequências negativas não apenas para a valorização adequada das teorias científicas mas também para a limitação da imaginação de professores e alunos, que se juntam às consequências produzidas pelos ecrãs modernos espalhados por todo o lado (Desmurget, 2012).

Tentar estabelecer uma ponte entre assuntos, como globalização, direitos humanos e justiça social, revela os muros hiperdisciplinares entre diferentes abordagens da realidade. Esses muros escondem a realidade por trás das suas partes divididas. Por detrás de cada sociedade há sempre um estado e os diversos mercados, nacionais e internacionais, que com ele lidam. Tratar isoladamente uma das outras política, economia e sociedade, abre espaço a abordagens moralistas (abordagens otimistas versus pessimistas, ideológicas) que substituem a análise racional. As ideologias tornam-se tão ou mais importantes do que a observação da realidade e as teorias que dessa observação poderiam surgir.

Compare o capítulo introdutório "pessimista" deste documento da ONU, "Social Justice in an Open World" e o discurso "otimista" do BM: Global Poverty Declines Even Amid Economic Slowdown, World Bank Says, a respeito da justiça social na era da globalização.

Em vez de imaginar e avaliar como podemos fazer de maneira diferente, estamos divididos entre aqueles que preferem mostrar o melhor e aqueles que preferem mostrar o pior da mesma realidade espartilhada, isolada da evolução da vida. Às vezes, a mesma pessoa muda de lado: passa a ser optimista apenas porque o poder político muda de mãos, ou vice-versa. Muda de lado em função das suas expectativas e não das realidades objectivas.

Por exemplo, para apresentar perspectivas otimistas, pode-se usar a tecnologia e sonhar, na nossa ignorância, que todos os problemas podem ser e serão resolvidos. Para apresentar perspectivas pessimistas, pode-se referir a estatísticas de desigualdade que sugerem a existência de vidas difíceis sem realmente as mostrar ou descrever, para evitar a repugnância dos leitores e/ou para culpar as vítimas. Para mudar de lado basta aos políticos e a qualquer outra pessoa usar um destes tipos de discurso e censurar o outro.

Em resumo: as avaliações sobre o estado da justiça social dependem actualmente mais da posição do observador, consoante se sinta ou pretenda mostrar-se a favor ou contra o status quo. O conhecimento sobre o estado das sociedades, necessariamente transdisciplinar, é secundarizado. Por exemplo, as avaliações sobre o estado da capacitação das pessoas e das sociefdades, apesar do prémio Nobel da Economia de Amartya Sen, nunca aparecem referidas.

Referências:
Desmurget, M. (2012). TV Lobotomie : La vérité scientifique sur les effets de la télévision. Retrieved from http://www.informaction.info/video-science-technologie-tv-lobotomie-la-verite-scientifique-sur-les-effets-de-la-television
Jim Schofield. (2018). The Real Philosophy of Science. Smashwords.
Kuhn, M. (2016). How the Social Sciences Think about the World´s Social - Outline of a Critique. Retrieved from https://www.kobo.com/us/pt/ebook/how-the-social-sciences-think-about-the-world-s-social-1

 

Lição 3. Globalização, Direitos Humanos e justiça

David Harvey: Marx e o capital no século XXI (6:10-52:30)

David Harvey, geógrafo marxista norte-americano, fez uma palestra no Brasil. Acabou a apelar ao alinhamento da oposição aos regimes capitalistas do seu país e dos outros países ocidentais com os projectos políticos do Partido Comunista da China, nomeadamente com o seu projecto de conseguir atingir o socialismo em 2050, O académico confessa que o incomodam notícias do que se passa na China e não sabe ao que os dirigentes chineses se referem quando falam em socialismo. Ainda assim, é a única esperança de “massas” que entrevê para superar a fase histórica de hegemonia do capitalismo.

Esta atitude que noutras eras seria considerada traição à pátria, não é o nos dias de hoje. Além da posição de Harvey, podemos assistir a acusações oficiais de traição contra o Presidente norte-americano, por ter procurado negociar dividendos eleitorais com chefes de estado estrangeiros. Alguns porta vozes dos contestatários de Hong Kong pediram a intervenção externa, no caso do presidente dos EUA, contra as autoridades do seu próprio país.

A maneira de viver os nacionalismos, o autoritarismo, as liberdades, são hoje diferentes da maneira de viver poucas décadas atrás. O factor medo continua presente, mas em vez de se temer apenas a guerra nuclear, hoje teme-se também o crime, o terrorismo, as avaliações profissionais que expulsam as pessoas dos seus empregos e, pelo menos, da tranquilidade de se poderem identificar com a sua profissão, as avaliações políticas e sociais que as tecnologias 5G ameaçam banalizar, a começar pela China, de que o uso da tecnologia Big Data para interferir nas eleições se tornou já uma preocupação pública.

Os direitos humanos viveram um crescendo de influência, desde a sua criação, a partir de uma declaração formal aprovada simbolicamente, em 1948, logo a seguir ao fim da II Grande Guerra até à opção política do presidente Carter (no fim dos anos 70) de dar prioridade aos direitos humanos na sua política externa. Na década seguinte, a protecção dos direitos humanos serviram de justificação para a primeira de muitas intervenções militares preventivas (na Somália) da ONU, NATO, EUA que foram sistematicamente violadoras dos direitos humanos e, por todo o lado em que se fizeram sentir, deixaram feridas abertas até hoje.

Os direitos humanos motivam excessos de expectativa no modo como as meras declarações (dos políticos) possam ser postas em prática (pelos estados, pelos militares). Motivam também um excesso de crítica, que pode levar a atirar a criança (as intenções humanitárias e as recomendações) com a água do banho para o rio (com as dificuldades da sua aceitação e de práticas puramente humanitárias, sem aproveitamentos geo-estratégicos de dominação). Excessos que fazem do movimento dos direitos humanos, ao mesmo tempo, um espaço de vaidades e de graves riscos para os seus activistas mais expostos, quando os regimes políticos se sentem atingidos pelas denúncias de violação dos direitos humanos e, em vez de acabarem com as condições que favorecem essas violações preferem censurar a circulação de informação sobre a sua existência.

Reclamar direitos humanos não dá poder, embora possa dar prestígio que pode ser transferido para o poder, como nos casos de Gandhi ou Mandela ou Martin Luther King.

O extremar de posições a respeito da noção de tratar todo o ser humano com mínimos de dignidade, entre os que estão contra e os que estão a favor, entre os que entendem que punir os inimigos é uma forma de salvação de si e os que entendem que a humilhação e a anulação de seres humanos, independentemente do que são e fazem, é sempre um acto criminoso e contra toda a humanidade. A história mostra a sucessão de diferentes sensibilidades sociais e políticas gerais, quando se aplicam punições de morte com muita frequência ou quando tais punições são abolidas, quando se aplicam penas judiciais legítimas com muita frequência ou quando há uma contenção dos estados no uso das penas, quando os estados fazem vista grossa a existência de grupos de milicianos que espalham a violência e o terror ou quando se empenham em acabar com isso. Também as pessoas, por carácter, podem ser discriminatórias e violentas ou contra as discriminações e a violência. Ao longo da sua experiência de vida, independentemente do carácter, as pessoas interpretam-no de modo a suavizá-lo e a relativiza-lo, ou a afirmá-lo e transformá-lo em acções práticas, consoante o apoio social que encontram para tal.

A competição da Guerra Fria, a respeito da organização social (democracia burguesa versus democracia popular), na primeira metade do século XX, com a globalização transformou-se em competição estatal por recursos financeiros globais, entre os anos 90 e o princípio do século XXI. Nos países ricos, o medo do holocausto nuclear foi substituído pelo medo do tráfico de droga e dos terroristas islâmicos. Actualmente, juntou-se o medo do holocausto ecológico e da transferência da sede do império entre os EUA e a China.

Moravcsik regista que os regimes de direitos humanos, criados no pós-guerra, são interpretados de maneiras muito diferentes: uns dizem que são uma ideologia ocidental, imperialista, para amesquinhar os outros povos, e outras civilizações; outros dizem que são declarações idealistas, que têm as suas consequências positivas, embora nunca cumpram completamente as promessas que subjazem à reclamação de direitos humanos por não serem consideradas nas negociações económicas; finalmente, uma outra tendência de opinião afirma que a existência de instituições, congressos, convénios, acordos, tribunais internacionais, que os direitos humanos são evocados, e da respectiva continuidade e influência na vida social, moral e política, é uma garantia de ser possível potenciar formal e praticamente as intenções proclamatórias iniciais.

Amartya Sem, continuando a reflexão sobre justiça do seu mestre Thomas Kuhn, desenvolveu os conceitos de justiça equilibrada (fairness) em conceitos de capacitação das pessoas. Não são apenas os juristas, através da influência que têm nos estados, que têm responsabilidades de criar as condições de justiça, a economia e a sociedade são também fundamentais e até mais importantes.

Não basta reagir às injustiças de forma institucional, mas é sobretudo preciso criar condições políticas, morais e económicas para assegurar o respeito prático dos preceitos dos direitos humanos, mensuráveis através da real capacitação de cada pessoa e das sociedades para auto-determinarem as suas próprias acções. Mais do que a organização das igualdades de oportunidades ou das lutas contra as desigualdades, Sen prevê a possibilidade de um sistema geral de prevenção das injustiças, para evitar que elas aconteçam, fundado na justiça, isto é, na orientação geral de produção social de capacitações em cada e em todas as pessoas.
 

Ideologia é um modo cognitivo de controlar e dar sentido às emoções produzidas pelo conhecimento que permite estruturar, potenciar e fixar o conhecimento. Qualquer perturbação da ideologia é um risco de desestruturação, desvalorização e de perda de conhecimentos com quen nos identificámos antes.

DH como ideologia não partidária (podem ser idealista, imperialista, institucionalista) de acolhimento universal, ligando o mundo visível ao mundo invisível-estigmatizado (Goffman)

Libertação do império – blog à descoberta de maneiras de construir pontes em vez de muros



Lição 2. Globalização – o que é?
Globalização é uma palavra nova, com cerca de 30 anos. A globalização tem uma aspecto bom (a mundialização, o acesso directo de virtualmente todas e cada pessoa aos meios de comunicação até recentemente reservados aos intelectuais (cientistas, jornalistas, políticos, empresários de alto nível). Neste século, com os movimentos anti (ou alter) globalização, começou a ser claro os seus aspectos maus: continuação da pobreza, das discriminações, das desigualdades entre pessoas e países, protecção aos algozes e desprotecção ou mesmo condenação das vítimas, dos motivos de produção de guerras, etc.

Quando se procura definir analiticamente o que é a globalização compreende-se ser uma referência a um fenómeno ao mesmo tempo singularmente actual, nunca antes vivido, e um fenómeno que é a evolução de outros fenómenos anteriores, como a revolução francesa, a revolução industrial, a extracção de minerais preciosos feita pelas companhias das Índias ocidentais e orientais, a apropriação de produtos exóticos, os Descobrimentos, as Cruzadas, a cristianização do mundo, a expansão do império romano, ou até a saída dos primeiros humanos de África.

Portanto, a globalização é uma descoberta actual – na linguagem – e uma realidade presente há um tempo longo de milénios, sob diferentes formas (nomeadamente, sob a forma de dinheiro; ler David Graeber The Debt (versão em castelhano também disponível na internet)). Uma realidade que se refere a uma construção humana produzida através da evolução da espécie na Terra. É uma expressão que designa um centro emissor de uma onda inelutável, para alguns um tsunami, para outros um agradável banho. Construção de aspectos positivos e negativos, como tudo na vida. O maior problema é que os aspectos positivos e negativos separam, como se fossem um muro, as pessoas umas das outras, os beneficiários e as vítimas da globalização, os ganhadores e os perdedores, como se fossem de espécies diferentes. Um dos resultados da globalização é também a relativa perda de influência do centro difusor da globalização – o consenso de Washington – no próprio seio da presidência dos EUA (com Trump e a sua política nacionalista) e no mundo, que já compreendeu que será Pequim em breve o centro imperial. Os ganhadores da sede imperial lutam para não se tornarem perdedores da sede imperial, como antes aconteceu com Roma, Aix-la-Chapelle, Lisboa, Madrid, Londres.

É possível que a produção de pontes passe a ser mais forte que a produção de muros, entre os humanos? Como pode ter acontecido nos anos 70 do século passado, embora fugazmente?
Um dos aspectos mais atractivos e promissores da globalização foi o fim das ideologias, das lutas em nome de ideias abstractas – como capitalismo e comunismo – como já se tinha acabado com as guerras religiosas. A experiência, porém, mostra precisamente o inverso: as guerras religiosas voltaram com o choque de civilizações, em larga medida alimentadas pelo império, e as lutas pelas ideologias não só não acabaram como estão a ser actualizadas, como parece estar a ser o caso com a necessidade de integrar num lugar mais destacado os problemas ecológicos de que falou a ONU recentemente, com a ajuda de Greta Thunberg. Tudo isto ao mesmo tempo que aumenta a adesão de populares a seitas religiosas fundadas em crenças irracionais e a partidos inspirados no nazi-fascismo.

O descrédito da ciência produzido nas últimas décadas, sem reacção suficiente das ciências, está a traduzir-se não apenas no forte apoio à fé de que Deus não nos irá abandonar na hora das mudanças climáticas, mas também no apoio à fé nacionalista, ao retorno ao mítico passado glorioso que ninguém viveu.

Em vez de se usar a ciência para lidar com fenómenos de linguagem novos e recentes – como estudar aquilo que as ideologias mais recentes designam por globalização – é por ventura preferível usar a ciência para estudar um fenómeno integral (ao mesmo tempo biológico, social e normativo) muito mais antigo e profundo: o império, o espírito do império, de que todos beneficiamos e sofremos, cada vez mais. Império que modernamente tomou formas de estado-nação (muito diferentes de caso para caso e de época para época), instrumentalizando o capitalismo. Capitalismo que instrumentalizou a globalização como conceito central da sua ideologia pós-industrial, financista, pós-moderna, informática, escamoteando a sua real dependência do império, isto é, daquilo quem os economistas chamam confiança e os políticos chamam legitimidade.

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Na última meia dúzia de milénios, o espírito imperial foi sendo desenvolvido, abrangendo cada vez mais gente, permitindo a construção de impérios e de instituições capazes de aguentar coisas tão instáveis como as torres de Babel. As discriminações banais foram elaboradas como formas de separar pessoas ao serviço da política de dividir para reinar, apresentando tais políticas como coisas boas, necessárias, de interesse público, e, certamente, justificando a existência e a persistência de elites.

As especializações cognitivas e científicas são, sem dúvida, úteis. Mas não são obrigatoriamente muros intransponíveis: toda a realidade se confunde com o todo, de alguma forma. Toda a realidade exige e permite a existência de pontes. As configurações particulares com que as diferenças se tornam estigmas discriminatórios a favor das elites, como se fossem uma necessidade prática irremediável, como foi apresentada a globalização, escondem a evolução dos processos de construção do império como realização material e cultural da humanidade de vanguarda, ao serviço das respectivas elites.

Não é possível, provavelmente não é desejável, abolir o império. Mas há formas de o construir em cada um de nós, e em sociedade, de formas menos estigmatizantes – por exemplo, se se usassem as línguas gestuais como línguas de comunicação universal – e mais racional – abrindo mais espaço à liberdade científica e ao prestígio das ciências, tão descurados nas últimas décadas.
 

Lição 1 - Apresentação e globalização

Os alunos que falaram sobre “globalização” expressaram gratidão (poder estudar no exterior, por exemplo) e esperança (que o caminho para uma harmonia entre a humanidade venha a realizar-se).

A esperança marcou o surgimento do uso da palavra globalização , nos anos 80. Em Portugal, quem viveu esse tempo recordará a esperança gerada pela oportunidade da entrada na “Europa”; a Europa que conhecíamos seguindo as histórias de emigração. A Europa rica (antiga Comunidade Econômica Européia) decidiu aceitar os países do sul da Europa, anterioremente ditaduras , para elevá-los à democracia e ao desenvolvimento.

As novas tecnologias da informação. a exportação de indústrias e capitais dos países ricos alegadamente abriam oportunidades para a convergência das economias pobres dentro da CEE ampliada; e igualmente em todo o mundo. As instituições internacionais que unem esses países europeus (União Européia) tornam-se referências inspiradoras de outros ensaios continentais de esforços de união para obter democracia e desenvolvimento em outras partes do mundo. Nos anos 80, em todo o mundo, existem outras instituições internacionais que se movem proativamente para concretizar uma nova ordem internacional (a mais antiga é a OIT - Organização Internacional do Trabalho (1919); outras são OMC, FMI, BM, OMS, FAO, ONU). Novos estados pós-coloniais lutaram, nos anos 80, para integrar as esferas de influência dos EUA ou da URSS. Alguns deles tentaram escapar dessa alternativa (os não alinhados). De qualquer forma, havia muita procurta por capital e bens para modernizar, industrializar, todos os países do mundo. Foi declarada a livre circulação para eles e para as pessoas. Em relação às pessoas, a livre circulação não fiuncionou.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os países ricos da Europa uniram-se aos EUA e ao Reino Unido com instituições democráticas, diferentes das dos regimes socialistas, ex-aliados durante a guerra, e também diferentes dos regimes fascistas-nazistas que foram derrotados na guerra. Nos anos 80, também surgiu a esperança de exportar a democracia. E surgiu uma idéia radical da liberdade: as empresas deveriam ser capazes de se autodeterminar, fora do controle do Estado. Todos, incluindo as empresas, devem ser capazes de gerir diretamente a sua própria influência ao nível político, influenciando a tomada de decisões no melhor melhor sentido (para cada um).

Aldeia global, maneiras novas e mais fáceis de se exprimir, comunicação apoiada por tecnologias eletrônicas, a previsão de uma humanidade integrada, o direito político de impulsionar a tomada de decisões estatais, o acesso à escola e à universidade, o acesso a produtos de todo o mundo, para viajar para qualquer lugar em turismo, grande expansão de profissões baseadas na ciência, conhecimento disponível na internet etc. Tudo isso representa um mundo auspicioso, se não o compararmos com o mundo de Jetson previsto pelas bonecos animados dos anos 60. O século XXI não é tão assim tão bom como era esperado pelos futuristas. De qualquer forma, há muitas coisas boas para desfrutar.

O principal problema aflitivo e óbvio é o meio ambiente. Porque parece afetar a vida de todos. Pobreza e guerras, mesmo que ainda estejam conosco, não nos envolvemos com elas. Cercados como estamos pela publicidade, a maioria de nós escolhe a alienação de problemas que não se sabe como ajudar a resolver, é claro. Não temos escolha real. Nós também estamos presos às nossas rotinas de vida, como toda a gente.

A geração mais educada de todos os tempos está presa diante de problemas globais que surgiram nas últimas décadas, a acompanhar a globalização. Parece que não podemos fazer muito, exceto reivindicar uma ação mais alta. As elites, no entanto, também não fazem grande coisa a esse respeito. Talvez porque também elas não saibam o que fazer, exceto a mesma rotina repetidamente.

Este curso é sobre estimativas de crescimento ou não de justiça social e de respeito pelos direitos humanos desde que a globalização de instalou entre nós. Alguns ainda gostam da globalização; outros preferem “mondialização”, uma globalização humana; outros falam sobre alter-globalização, vinda do “Sul”, pondo de pernas pafra o ar aquilo que está acontecer. Mais recentemente, sobre a ascensão do populismo / fascismo, alguns dizem que a globalização está a desaparecer.


Semestre de inverno 2018


5 de Dezembro

Apresentações de trabalhos dos grupos internacionais: Maike + Nandy (grupo 2), Bernardo (g.7) e Bo (g.16).

28 de Novembro

Apresentações de trabalhos dos grupos internacionais: grupo 9, Alexandre Gomes e Ana Cláudia Carvalho, e grupo 19, Abdulkadir Pamuk e Verica Poposka.

21 de Novembro

A visão crítica de Flávio Almada da história da modernidade, a partir de uma perspectiva africana. Discussão.

14 de Novembro

A comemoração do 100º aniversário do fim da Primeira Guerra Mundial é uma boa oportunidade para explorar o tema dos estados em desenvolvimento num mundo que se torna internacional / global.

As duas guerras mundiais poderiam ser consideradas como tendo revelado duas tendências destrutivas relacionadas com a existência de estados nacionais. Por um lado, os estados nacionais, desenvolvendo meios consideráveis ​​de poder e estimulando as expectativas de suas populações de obter retornos do que investem em seu estado, tendem a desenvolver interesses e atividades que colidem com os de outros estados, o que pode produzir conflitos armados entre estados nacionais. As causas da Primeira Guerra Mundial poderiam ser explicadas como um resultado do desenvolvimento de diferentes estados nacionais na Europa. Por outro lado, existe o risco de os estados usarem seus formidáveis ​​poderes para exercer violência contra sua própria população. Foi o que aconteceu nos regimes totalitários que surgiram após a Primeira Guerra Mundial e que estiveram na origem da Segunda Guerra Mundial. Essas duas experiências históricas inspiraram a fundação das Nações Unidas e a adoção de um regime internacional de proteção dos direitos humanos. Durante décadas, este regime baseou-se principalmente em convenções internacionais, ou seja, documentos legais vinculativos.

Exemplos de tais convenções são as convenções da Organização Internacional do Trabalho, que foi criada após a Primeira Guerra Mundial, juntamente com a Liga das Nações. Essas convenções visam responder aos problemas enfrentados pelos trabalhadores em todo o mundo. O que nos leva a um dos tópicos desta aula. Um problema que a OIT enfrenta nos últimos anos é o fato de que muitas atividades serem realizadas em contextos onde os sindicatos não desempenham o papel central que desempenham na sociedade industrial. Isso levou a OIT a expandir suas atividades em tais contextos. Um exemplo dessa estratégia é uma convenção sobre o trabalho doméstico. Nesse domínio, a OIT deveria desenvolver relações com outros tipos de atores da sociedade civil. O processo de elaboração desta convenção está documentado numa página do website do curso do ISCTE-IUL sobre sociologia do direito.

Posteriormente, perante as dificuldades para implementar tais convenções, maior relevância foi dada aos instrumentos não vinculativos (soft law), que têm a função basicamente simbólica de fixar uma linguagem comum e de indicar possíveis diretrizes. Neste exato momento, a hostilidade das opiniões públicas nacionais em relação à globalização motiva a recusa desses mesmo mecanismos de "soft law". Um exemplo dessa tendência recente pode ser observado no caso do Migration Compact recentemente negociado sob os auspícios das Nações Unidas e que deve ser
adotado em dezembro. Vários governos anunciaram recentemente que não assinariam o documento. Na Alemanha e na Suíça, este assunto é uma questão de debate público e as decisões podem ser tomadas em breve.

Em relação ao aniversário do fim da Primeira Guerra Mundial, os estudantes foram encorajados a ler o
discurso de abertura de António Guterres no Fórum da Paz que teve lugar em Paris naquela ocasião. Interessante ver como uma pessoa responsável por uma organização que deve desempenhar um papel-chave nos esforços de organizar ações para desafios globais formula o programa político dessa organização e tenta aproveitar esse aniversário para obter apoio para esse programa. Também dignos de nota são estes dois fatos: o discurso foi quase ignorado pelos meios de comunicação social de referência que supostamente participam da formação da esfera pública global. Os comentários dos cidadãos comuns publicados no site da ONU são, em geral, muito difíceis de serem usados ​​como contribuições para a discussão desse programa. É difícil realizar um debate global, mesmo quando as questões devem ser abordadas não apenas localmente, mas também globalmente.

Aviso aos estudantes: vale a pena tomar conhecimento
do discurso de António Guterres na abertura
do Forum para a Paz / Peace Forum de Paris, 11 de Novembro de 2018.
Para um resumo em português, ver o site das Nações Unidas. English Summary.
Para um vídeo do discurso, em francês, ver France 24.
Texto completo em francês e inglês no site da ONU.

7 de Novembro

Sobre o lugar dos estados no processo de globalização. Ponto de partida: o texto de Jürgen Habermas, "Tendencies of Juridification" (1981).

Sobre Habermas: ligado à "Escola de Frankfurt", mas mais otimista que seus fundadores, Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, testemunhou a rapidez com que o mundo e a Alemanha se recuperaram da II Guerra Mundial. Assumiu que o potencial da razão moderna é ambivalente. Por isso, é importante entender precisamente como a razão funciona. A razão se desenvolve fora da comunicação, pelo que o que está em jogo é entender melhor como comunicamos entre nós. É por isso que ele dedicou muitos anos ao projeto de uma teoria da ação comunicativa. Não apenas em teoria, porque ele também queria colocar essa teoria em prática. Vejam-se suas contribuições recentes sobre as condições dos debates públicos em toda a Europa. O texto a ser discutido é um dos últimos capítulos do livro Theory of Communicative Action (1981). O livro desenvolve essa teoria; e este capítulo visa ilustrar essa teoria, aplicando-a ao desenvolvimento do Rechtsstaat.

Esboço muito curto do principal componente da teoria da ação comunicativa de Habermas: nas sociedades modernas, comunicamos de duas formas muito diferentes. Por um lado, de formas altamente codificadas, usando símbolos definidos além do nosso alcance físico. Esse tipo de comunicação ocorre no quadro dos sistemas. No sistema económico, usamos dinheiro; nos sistemas políticos e administrativos, agimos de acordo com a capacidade formalizada de ação (poder). Por outro lado, construindo permanentemente o significado das palavras que usamos, aproveitando a experiência do mundo que compartilhamos com as pessoas com as quais interagimos. Habermas chama o domínio da realidade social onde isso ocorre o "mundo da vida". A comunicação codificada possibilita a ação social na escala dos estados ou arenas supranacionais (programa Erasmus!); por outro lado, condiciona a nossa capacidade de produzir novos significados nas interações em que participamos. Um problema da modernidade é articular esses dois tipos de comunicação.

Habermas, ao concluir o livro "Teoria da Ação Comunicativa", quis ilustrar essa teoria com exemplos empíricos. Ele encontrou um exemplo em pesquisas sobre a lei, em processos de "Juridificação". Tais processos pareciam para ele um bom exemplo do impacto da comunicação sistémica na comunicação no mundo da vida. - Processo histórico de diferenciação de "sistemas" e "mundo da vida". - Passo 1: o direito moderno permite a diferenciação dos media que abrirá a possibilidade do desenvolvimento do sistema político e económico (p. 358). Um "meio" (um conceito emprestado a Parsons) é um mecanismo que facilita a circulação de um certo significado. O dinheiro permite a circulação do significado do valor económico. O conceito moderno de poder facilita a comunicação sobre o direito que alguém tem de dar ordens a outras pessoas (como um polícia pode fazer). - (b) As relações que poderiam, a partir de então, ser estabelecidas entre as pessoas e o Estado (todas obedecendo à mesma regra) e entre diferentes pessoas (todas com direitos comparáveis ​​a contratos), deram crescente relevância à relação entre pessoas tendo os mesmos direitos, o que significa que as definições das relações sociais derivadas de certas comunidades locais perderam o seu significado, e "abstraindo do substrato histórico das formas de vida pré-modernas" (p. 359). - Passo 2: a esfera da relação entre indivíduos autónomos adquire, digamos, substância, nomeadamente como efeito de desenvolvimentos culturais: é a época em que os romances começaram a circular graças a livros impressos, e quando surgiu uma nova procura por teatro (ver a sua importância, naquele tempo, como as obras de Shakespeare e Cervantes) A ​​esfera em que a interação moderna é vivenciada ganha "forma" e é reconhecida pelo Estado, o que confere "direitos civis acionáveis" pelo povo contra o soberano (p. 359). É assim que o mundo da vida moderno surge, pela diferenciação da personalidade, sociedade e cultura. Durante estes dois passos, a evolução do direito moderno corresponde a um fortalecimento contínuo das garantias de liberdade. - Passo 3: Com a independência dos EUA e as revoluções burguesas, as pessoas adquirem direitos políticos, e o Estado começa a legitimar se através de processos que dão voz aos cidadãos. Durante este passo, no entanto, a evolução da relação entre o estado e o mundo da vida é ambivalente. Por um lado, as pessoas têm novos direitos; por outro lado, para a implementação desses direitos, são criados mecanismos que criarão lacunas entre a experiência política dos cidadãos e o funcionamento do sistema político: partidos políticos, elites governamentais, meios de comunicação controlados por minorias e assim por diante. Nesse sentido, a liberdade do povo é limitada (p. 364). - Etapa 4: o desenvolvimento do sistema económico gerou graves desigualdades. Haverá tentativas de compensar essas desigualdades por meio de direitos sociais. Esses direitos sociais tendem a melhorar as condições materiais de vida das pessoas, mas também permitem medidas intrusivas da parte do Estado, impactando nas relações pessoais (por exemplo, entre pais e filhos, ou entre professores e alunos). Esse tipo de intervenção limita a possibilidade das pessoas definirem, pela sua própria ação comunicativa, interação direta, o significado do mundo em que vivem e o significado do que fazem, e construir sua própria identidade. Quando escreveu este capítulo, Habermas estava principalmente preocupado com o desenvolvimento do estado alemão.

Alguns anos após a conclusão da teoria da ação comunicativa, a Alemanha pôde unificar-se, após a queda do Muro de Berlim. A partir daquele momento, tornou-se crucial para a Alemanha redefinir seu lugar na Europa e no mundo, e Habermas começou a trabalhar no que ele chamou de "Constelação pós-nacional". Desde então, publicou vários artigos sobre a Europa e sobre os esforços para estabelecer uma ordem internacional. Os conceitos utilizados para analisar o desenvolvimento de um estado, a Alemanha, mostraram-se úteis para abordar essas questões internacionais. Por duas razões: a sua análise do mundo da vida permite compreender como as pessoas e os tópicos de debate podem circular além das fronteiras nacionais, dando origem a uma esfera pública global - ainda que frágil; a sua análise dos sistemas políticos e económicos ajuda a entender como a economia se pode desenvolver nos mercados transnacionais e como os sistemas políticos nacionais podem desenvolver mecanismos de cooperação com outros sistemas políticos nacionais.

31 de Outubro

Globalização

Discussão da noção de globalização: A “Globalização” tem sido um tema muito debatido entre o fim dos anos 1980 e os anos 2000. A palavra surge em debates sobre, por um lado, os avanços das tecnologias de comunicação e, por outro lado, o fim da guerra fria e os esforços, intensificados depois da queda da União Soviética, em 1989, de globalizar as actividades economicas e financeiras, em particular pela criação da Organização Mundial do Comércio em 1994. Alguns anos mais tarde, um outro tema ganhou importância, revelando uma percepção mais diferenciada da complexidade dos processos em curso: a “glocalização”. Significa que até em tempos de globalização, iniciativas locais têm grande importância na formação de dinâmicas globais, e que o impacto global de certos bens, locais, etc., se deve a características locais. Mais radicalmente, no fim dos anos 1990, surgem movimentos sociais que protestam contra o que consideram como uma forma inaceitável de globalização – um momento importante são os protestos que tiveram lugar no momento da conferência de ministros organizada pela OMC em Seattle em Novembro de 1999 –, que procuram promover alternativas, outras formas de globalização (altermundialismo; fala-se por vezes de “globalizações contra-hegemónicas”). Estes esforços deram lugar ao Forum Social Mundial, que organizou o seu primeiro encontro em Porto Alegre no Brasil em 2001. Na mesma altura, as condições da cooperação internacional foram profundamente afectadas pelos atentados contra o World Trade Centre em Nova York, em Septembro de 2011.

Nestes últimos anos, assiste-se a recções nacionalistas contra as migrações internacionais, assim como contra as tendências no sentido de globalizar mercados, e de dar mais poder às organizações internacionais que tem como missão apoiar estas tendências (UE, ALENA), que ganham força em muitos países (ver Walden Bello, 2017, “It’s Not Only Necessary to Develop an Alternative to Globalization — It’s Entirely Possible”, à disposição no website português desta UC). Neste contexto, o tema da globalização perde a sua centralidade.

Para analisar de maneira metódica estas etas evoluções recentes, é necessário ir além da noção de globalização que dominou e mais recentemente perdeu importância nos debates públicos. Se se adoptar um conceito mais técnico de globalização (como o que propõe Manfred B. Steger no texto “Globalization: a contested concept”, 2003, à disposição no website português desta UC), podem formular-se as seguintes perguntas. Em primeiro lugar: será que a globalização começa no fim dos anos 1980? Não, obviamente. Verificam-se processos que poderão ser qualificados de globalização desde as origens de humanidade. Em particular na época dos Descobrimentos, quando Portugal extendeu o seu domínio sobre partes signficativas do mundo então conhecido. Breve discussão com os estudantes sobre fenómenos semelhantes no caso dos Países Baixos. Uma outra época que deve ser considerada se se quiser entender o que se passa na actualidade é o processo de internacionalização, que se intensifica depois da II Guerra Mundial, e que consiste na institucionalização dos meios de cooperação entre estados, nomeadamente pela criação de organizações internacionais, com a preocupação de prevenir guerras mundiais futuras e de fazer obstáculo a tendências totalitárias. No contexto deste processo, foram promovidos os direitos humanos, que eram supostos fundamentar a cooperação entre os estados. Uma maneira de analisar o que se passa nestes últimos anos consiste em estudar como o processo de promoção internacional dos direitos humanos se relacionou com o processo de implementação de mercados globais. – Em segundo lugar: assistir-se-á agora a um abrandamento ou até a uma paragem do processo de globalização, agora que o tema deixou aparentemente de interessar? Não, obviamente. Entre outros processos recentes, vale a pena estar atento aos esforços da China de construir novas alianças na perspectiva do reforço das trocas internacionais, no âmbito do projecto chamado a Nova Rota da Seda (ver ligação Amigos da Nova Rota da Seda no website português desta UC). Num plano completamente diferente, assiste-se a um desenvolvimento consistente de ONG especializadas nomeadamente em temas de direitos humanos. O problema reside no hiato que existe entre as concepções do direitos humanos que orientam os activistas ligados a estas ONGs e as percepções que muitas pessoas não envolvidas nestas iniciativas têm dos seus direitos e dos direitos de outras pessoas, em particular os direitos dos estrangeiros e dos migrantes.

24 de Outubro

Direitos Humanos segundo Sen

Para cada aula de alunos tem que ler textos de antemão. Às vezes, os alunos não têm tempo para fazê-lo. O tempo é um recurso escasso para todos. No entanto, existem técnicas para leitura rápida: pode-se olhar para o título, o nome do autor, a data da publicação, a bibliografia. Usando essas informações, pesquisando-as no google, é possível ter uma ideia do contexto de vida do autor e da sua obra. Com estas informações para enquadrar o texto, deve-se olhar para a sua apresentação e a sua conclusão. Então, olhando para as várias partes do texto, pode-se tentar adivinhar os argumentos principais.

Amartya Sen é um economista premiado com o prêmio Nobel, que escreveu um livro seminal em 2006 sobre "Uma ideia de justiça". Ele é um estudioso liberal indiano-britânico preocupado com os problemas sociais de sua pátria de origem e disposto a fundir o pensamento moral e econômico, como Adam Smith, o fundador do pensamento econômico liberal, também o fez à sua maneira.

Seu livro é uma resposta a John Rawls (1971) "Theory of Justice". Este abriu o pensamento jurídico ao pensamento econômico e social, sugerindo a ação voluntarista das profissões jurídicas para alcançar a justiça. Em vez de igualdade, reivindicada pelos regimes comunistas, a ideia de Rawls era pensar a justiça nos processos judiciais como a parte legal da luta pela justiça social. O intervencionismo económico do Estado deveria ser fortalecido pelo intervencionismo jurídico para a equidade, o que significa - de uma maneira muito simplista - favorecer o máximo possível de discriminação positiva a pessoas menos afluentes e influentes.

Seu livro foi ao mesmo tempo aclamado e criticado. Mostra uma maneira de proporcionar melhor justiça social, reforçando os esforços políticos e judiciais nessa direção. Era utópico, porque era voluntarista e por os juristas não seguiram as suas recomendações. A entrada na era neoliberal, nos anos 80, fez desaparecer o estado voluntarista e paternalista e reverteu a relação do estado com a justiça social. Esta deixou de ser a primeira prioridade.

O livro "Uma ideia de Justiça" de Sen aparece como uma nova tentativa de definir justiça. A nova medida de justiça não seria equidade: seria a capacitação das pessoas, os resultados práticos do empoderamento: não é suficiente e não resolve problemas de injustiça a discriminação positiva aplicada às vítimas de injustiça. É preciso garantir a todos a oportunidade de lutar pelos seus direitos à sua maneira, não apenas em arenas jurídicas ou económicas, mas também em todos os campos da existência social.

Os direitos humanos, escreveu ele no texto de hoje, precisam ser melhor entendidos. Quais são as bases práticas para o pensamento sobre direitos humanos e para sua eficácia? Que tipo de fenómenos sócio-económicos-legais fazem os direitos humanos serem respeitados ou não? O que capacita as pessoas a prosseguir as intenções dos direitos humanos?

Uma resposta é que o poder moderno reforça os poderes de pessoas, os indivíduos influenciam e tais poderes devem continuar a ser reforçados. Outra resposta é que os movimentos sociais se impõem ao Estado e às instituições, capacitando mais pessoas. Por tudo isso, Sen usa a capacidade para mencionar o poder individual de respeitar e fazer respeitar os direitos humanos. Todos conhecemos muitas pessoas que beneficiariam e concordariam com os direitos humanos, mas pensam não ser capazes de reivindicar os seus próprios direitos.

Estas questões também devem ser consideradas de outro modo: há pessoas que são vítimas da modernização, como os escravos, os povos indígenas, os pobres, as pessoas presas. A imposição da integração de todos na vida moderna implica muitas vezes violações dos direitos humanos, como acontece com os imigrantes e refugiados.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a maioria das declarações legais era sobre obrigações e poucas sobre direitos. Os burgueses tinham direito de propriedade e trabalhadores o dever de trabalhar. O reconhecimento dos direitos econômicos políticos aos trabalhadores (e mulheres) foi proposto e desenvolvido na Europa, após a guerra. Nos anos 80, além dos trabalhadores, grupos muito diferentes, afirmam ser vítimas de injustiça, como estudantes, mulheres, pacifistas, ecologistas, pessoas LGBTI, etc. Todos pedem o reconhecimento de suas necessidades especiais não reconhecidas pela sociedade e / ou instituições.

A ONU desenvolveu um setor de negociação aberto a movimentos sociais, através da participação de ONGs. Hoje é possível participar de feitura de declarações globais, como a sobre o desenvolvimento sustentável, fazendo pressão para fixar nelas algumas ideias e tirar outras. Enquanto isso, os processos de reprodução dos problemas apontados, como a discriminação, a pobreza, a guerra, continuam a funcionar.

O regime de direitos humanos, mencionados por Moravcsik, é, ao mesmo tempo, uma estratégia imperial para mostrar superioridade moral, uma esperança utópica e inspiradora de unir a humanidade como um só e, também, os processos institucionais inspirados pelas declarações de direitos humanos.

A ONU desenvolveu um setor de negociação aberto a movimentos sociais, por meio da participação de ONGs. Hoje é possível participar de declarações globais, como esta sobre o desenvolvimento sustentável, empurrando algumas frases para cima e outras para baixo da declaração. Enquanto isso, processos contraditórios de reprodução dos mesmos problemas, como discriminação, pobreza, guerra, ainda estão a funcionar fora de qualquer processo de redução evidente.

O regime de direitos humanos é, como menciona Moravcsik, ao mesmo tempo, estratégia imperial norte-americano para mostrar superioridade moral e uma esperança utópica e inspiradora de unir a humanidade como uma só e, ainda, os processos de desenvolvimento institucional inspirado pelas declarações de direitos humanos.

17 de Outubro

Desenvolvimento sustentável

Depois de um diálogo com os presentes sobre o desenrolar dos trabalhos dos grupos internacionais, foram apresentados à turma dois documentos para análise: uma manifestação de empenho da reitoria do ISCTE em acompanhar e participar nas propostas da ONU para o desenvolvimento sustentável e um artigo de jornal sobre a avaliação que a Organização Internacional do Trabalho divulgou recentemente sobre as condições de trabalho em Portugal.

Foi sobre o primeiro documento que a discussão acabou por se instalar, já que ela tem uma abrangência global e porque se trata de um produto de instâncias diplomáticas que envolvem não apenas estados mas também especialistas e ONG´s.

A ONU mantém um conjunto de fora a tratar de vários temas, muito diferentes entre si, certamente contraditórios interna e externamente a cada um. Uma vez chegando a um acordo que possa ser diplomaticamente consensualizado – aqui os estados e sobretudo os estados mais poderosos, em particular aqueles de quem dependem as finanças da ONU, têm um peso extra inegável – mesmo as reivindicações mais incómodas, se racionais, podem ser inscritas, eventualmente num nível ou com uma ênfase inferiores ao que seria justo e necessário.

É melhor do que serem simplesmente omitidas, e é menos bom do que serem efectivamente tidas em conta. Por exemplo, o tópico crescimento económico resultou de uma síntese desequilibrada entre isso e o emprego de qualidade. O tópico era um modo de conciliar, que passou a ser omitido na versão mais sintéctica do enunciado das palavras de ordem que designam os objectivos oficiosos. Isto é, aquilo que vêm exposto de forma garrafal é o que foi considerado principal para designar um conjunto de problemas. Os níveis de maior desagregação desses problemas são escritos em documentos de nível inferior mas mais longos e detalhados. De modo a que podemos imaginar um conjunto de alianças a organizar-se para empurrar um tópico um pouco mais acima e outro um pouco mais abaixo. Na esperança que no momento da fixação final do posição da ONU cada um esteja representado da melhor maneira, num quadro geral holístico mas caótico pelas contradições envolvidas e na articulação arbitrária que se fazem dos diferentes níveis de informação resultantes dos processos negociais.

A execução prática das medidas assim previstas como boas ou melhores depende não de um orçamento para as realizar mas da boa vontade dos governos, das organizações, das pessoas, capazes de se mobilizar e mobilizarem consigo recursos para esses fins.

O documento é, pois, um guia, uma enciclopédia e uma inspiração para todos os que tenham ou pretendam assumir responsabilidade públicas ou privadas de execução de orçamentos ou de pensar o que serão os melhores investimentos.

No campo da ciência, primeiro o governo e as instituições sob a sua tutela, e agora também algumas universidades, como é o caso do ISCTE, decidiram divulgar o documento da ONU e apelar à contribuição de todos para o cumprimento das metas aí previstas, reservando um orçamento de estímulo para tais iniciativas.

A questão que sempre se coloca, aquando da saída de documentos deste tipo – recomendações sem força legal e sem recursos previamente associados que assegurem a responsabilização de alguém para que as finalidades sejam efectivamente cumpridas – é qual é a parte que vai sair do papel e se esse modo parcial e parcimonioso de usar as perspectivas que interessam e abandonar as que são incómodas não resulta no falhanço geral das intenções anunciadas, como já aconteceu anteriormente?

11 de Outubro

Justiça Social

A justiça pode ser entendida como a restauração de uma sensação de tranquilidade, de segurança, em relação ao reconhecimento da posição de uma pessoa em determinado grupo social. Um sentimento de injustiça é o sentimento de desconforto por estar em uma situação de desrespeito a essa posição.


Os sentimentos de injustiça dependem, portanto, das regras implícitas ou explícitas sobre como tratar as diferentes pessoas pertencentes a um determinado grupo. Tais regras podem ser regras de igualdade ou de diferenças no tratamento das pessoas, de acordo com sua condição (liderança, pessoas sábias, pessoas místicas). Regras que podem ser explícitas em leis, necessariamente incompletas. Leis que podem ser muito diferentes umas das outras: podem ser recomendações morais, regras de protocolo ou leis penais, por exemplo.


Os clássicos distinguiam três formas de justiça: (a) Justiça geral, que significa a observância das regras vigentes em uma comunidade. Esta forma de justiça aplica-se a comunidades onde alguém tem os meios para aplicar essas regras. (b) A justiça comutativa, aplicada entre iguais não coabitantes, tipo de mercado, onde é possível, em caso de conflitos entre iguais, chamar um juiz para decidir sobre este conflito. (c) Justiça distributiva, que se aplica entre pessoas que coexistem e organizam a divisão do trabalho para fins econômicos e de negócios, alguém diria hoje, e onde alguém - o chefe da comunidade - está em condições de fazer cumprir as regras de distribuição.


A justiça social, expressão que emergiu no final do século XIX, refere-se a uma forma específica de justiça distributiva, como se as pessoas vivessem em um território dentro de fronteiras políticas sob a soberania de um estado de coabitação, no sentido clássico. a expressão aparece nos debates sobre a resposta das classes dominantes às dificuldades das vidas dos trabalhadores que os tornaram menos produtivos ou até mesmo os levaram a escapar para a terra da liberdade, as Américas. Nestes debates, a noção de "justiça social" combina quatro reivindicações: (i) que existe tal coisa como sociedade (dentro das fronteiras nacionais); (ii) entre diferentes categorias de pessoas existem problemas que requerem uma resposta da parte da sociedade; (iii) que esta resposta pode ser utilizada para aumentar a capacidade da sociedade para produzir riqueza; (iv) que esta sociedade esteja em condições de tomar as decisões e as medidas concretas necessárias para responder aos problemas.

 

Nesse contexto, as medidas efetivamente tomadas pelo governo também tiveram o objetivo de contrapor movimentos sociais de ruptura política que expressavam o desejo de obter uma justiça idealizada nas sociedades lideradas pelos trabalhadores, multiplicando em todo o mundo as iniciativas locais de auto-organização em diversos campos criadas por associações de trabalhadores. A justiça social é uma forma de construir nações a partir da divisão de classes, também descrita como luta de classes. E, assim, romper com sucesso o internacionalismo antiguerra do século XIX organizado em nome dos trabalhadores.
Após a Segunda Guerra Mundial, a vitória do nacionalismo antinazi foi confrontada com a oposição mútua de dois impérios: um representando a liberdade e a outra igualdade, com diferentes princípios da organização social e promoção da justiça social. Na Europa Ocidental, geograficamente no meio dos dois territórios imperiais, correspondeu o Estado Social, ou economia mista de mercado ou democracia social. É o resultado da adoção do modo de vida americano para a reconstrução do que se tornariam os países europeus mais desenvolvidos financiados pelo Plano Marshall e agora União Européia.


Os debates sobre justiça social na Europa foram organizados em torno de três tópicos, a que pode ser acrescentado um quarto: integração de uma sociedade nacional com direitos de cidadania para todos, mulheres, jovens, nómades, imigrantes; a negação da exclusão de categorias de pessoas, de acordo com gênero, etnia, religião, ideologia; a distribuição de rendimentos não deve comprometer a sobrevivência física de todos e de cada um. Este último tópico também discute diferentes opções de apoio social, como a universalidade de tal apoio, como educação gratuita ou saúde, ou tornar tais apoios dependentes das necessidades das pessoas assistidas, avaliadas por serviços técnicos competentes.


Esses debates foram e estão fora das questões ambientais, que, no entanto, emergem como graves problemas internacionais evidentes, cuja consideração é levada em conta pelos programas da ONU para uma economia sustentável. Isso implica não apenas tratar a justiça distributiva, mas também a justiça produtiva, de maneira a respeitar o meio ambiente. O que leva a outro conceito de justiça: justiça ambiental.

3 de Outubro

Apresentação do curso, organização dos grupos e

Introdução a Globalização, Justiça Social e Direitos Humanos

O que é real e o que são apenas palavras, quando se fala em globalização, justiça social ou direitos humanos?

Princípios de direitos humanos são violados em todo o mundo. Ativistas de direitos humanos são mortos em muitos países e não são bem-vindos em muitos outros. Por que é que as declarações de direitos humanos são tão ineficazes? Por que é que as palavras de ativistas de direitos humanos são tão odiosas à sensibilidade de algumas pessoas, como políticos de extrema direita e estados, principalmente nos seus ramos de segurança e militares? Por que ninguém é preso por falar de globalização ou de justiça social?

Um conjunto de respostas podem ser dadas através da explicação de que as atividades de redacção são tão reais quanto as acções. As representações que se têm do mundo, até representações equivocadas, são tão reais quanto a vida biológica ou as tecnologias. Tentando descobrir as diferentes maneiras como as palavras, como aquelas que são usadas como título de nosso curso, emergiram e foram usadas desde então, são relevantes para o conhecimento. Por mais que o conhecimento sobre tecnologia seja apenas sobre instrumentos usados por pessoas, não sobre os usos que as pessoas fazem do conhecimento e dos instrumentos, uma parte relevante do conhecimento sociológico (especialmente a parte teórica da pesquisa sociológica) é apenas sobre a imaginação que as pessoas desenvolvem sobre o que são vidas, incluindo a vida cotidiana, a vida profissional, a vida escolar, a vida política, a vida social, etc., e não a maneira como essas vidas são usadas (pelos estados, pelo capitalismo, pelos poderosos). Os usos da tecnologia (máquina ou palavras) são duplos: o que se pode imaginar sobre esses usos - como o mundo poderia ser com o uso correto do que está disponível para favorecer as nossas competências e conhecimentos comuns - e quais são os usos práticos do que temos - como o mundo está realmente a funcionar.

Os problemas existem na medicina, quando as vacinas existentes ou medicina curativa são caras demais para estarem disponíveis para todos, incluindo países e pessoas pobres; os problemas existem na economia, nada transparentes, mesmo quando existem reguladores para forçar a transparência nos campos da energia, finanças ou em outros setores. Para obter efeitos saudáveis no mercado a transparência é indispensável e, ainda assim, a corrupção parece estar em toda parte, pois a ganância parece superar a racionalidade económica, quando se trata de administração. Também nas ciências sociais o mesmo tipo de problemas existe: falta de transparência na linguagem e ineficiência de revisão por pares para superar os obstáculos ao conhecimento científico. Talvez o estudo da lei, o poder da palavra imposto pelos tribunais e pela polícia, nos ajude a entender melhor do que se trata.

A lei é uma forma de impor o poder do Estado e, ao mesmo tempo, é também uma maneira de produzir e difundir a moral na sociedade. Por um lado, as leis de propriedade tratam de impor diferentes oportunidades económicas a pessoas com e sem propriedade (propriedade como meios de produção, meios de sobrevivência) e, por outro lado, o reconhecimento legal de crimes de agressão sexual ou orientações sexuais diferentes são úteis, instrumentais, para mudar mentalidades e libertar muitas pessoas de armadilhas sociais opressivas e não visíveis de vitimização. Com certeza, a aplicação de leis de propriedade ou de agressão sexual não é eficaz a todo momento, em todos os lugares. São muitas as excepções de pessoas que vêm violados os seus direitos de propriedade e direitos de segurança sexual. As decisões em tribunal são, às vezes - ou até mesmo muitas vezes - contra o espírito da lei, como quando a lei da liberdade de expressão é usada para fazer marketing enganoso ou propaganda política, invadindo a comunicação social com notícias falsas. Os tribunais são impotentes para regular essas tendências. A irracionalidade torna-se dominante, mesmo em épocas em que 10 ou mais anos de escolaridade obrigatória são a regra para todos.

A análise social dos usos das palavras é parte relevante do trabalho das ciências sociais. Além disso, é parte principal do trabalho dos juristas. São profissionais que trabalham com palavras e regras de procedimentos, representando as realidades sociais de forma particular, pelos seus próprios meios, de forma tendenciosa com vista a cumprir as finalidades institucionais dos tribunais, das prisões, da polícia. É assim que os cidadãos têm a possibilidade de reivindicar a lei contra os poderosos, melhor do que era possível antes da era moderna. A lei permite que ONGs e cidadãos organizem reivindicações para serem adoptadas como novas leis ou para a ação estatal para fazer cumprir as leis ou para fazê-lo de maneira correta. O poder das palavras escritas é que qualquer um que possa ler e esteja suficientemente confiante da sua interpretação da lei (quem tenha bons advogados) pode usar as palavras (em vez da força) como instrumento para fazer prevalecer seus interesses. Embora as injustiças continuem a acontecer em todos os lugares, muitas vezes.

Discutir palavras é complicado. Ainda assim, pode aprender-se muitas coisas "reais" sobre o mundo assim. Podemos entender, por exemplo, que existem palavras diferentes usadas em diferentes estratos sociais: a justiça social é usada referindo-se a situações nacionais internas e a globalização é usada referindo-se a instituições e vidas supranacionais. Isso significa que existem, pelo menos, dois mundos sociais diferentes dentro do nosso complexo mundo social. Dois mundos com instituições diferentes e conflitantes, como as instituições internacionais (FMI ou BM ou OIT, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Internacional do Trabalho), organizações regionais (UE ou BCE, União Europeia, Banco Central Europeu) e instituições estatais nacionais e ainda autarquias locais. A globalização refere-se ao poder de instituições internacionais, como a ONU ou aquelas ONGs que trabalham dentro do quadro de trabalho da ONU.

Todas essas impressionantes estruturas internacionais usam sua própria linguagem e palavras de maneira que tornam seu discurso difícil de entender pelos leigos. Como acontece nos tribunais ou quando se entra no mundo especializado das ciências sociais. A opacidade desses diferentes usos da linguagem - os usos da mentira como propaganda política ou como justificação para pressionar a sacrifícios os trabalhadores - é, hoje, um tópico principal de discussão, já que os políticos de extrema direita estão a usar essa reivindicação de transparência para ganhar eleições e tornar o poder estatal mais autoritário.

Rastrear os usos das palavras usando dicionários também é útil, pois é possível localizar o tempo de emergência das palavras e a época do uso mais forte dessas palavras. Por exemplo, a justiça social é usada desde o final do século XIX e se refere ao equilíbrio das sociedades nacionais. A globalização começou nos anos 90 do século 20 e hoje não é mais tão usada como antes. Direitos humanos é o nome usado há 200 anos, desde da Revolução Francesa, e, mais recentemente, após a 2ª Guerra Mundial, foram enquadrados como o nome de uma declaração pacifista de 1948, sob iniciativa norte-americana nas Nações Unidas.

Sob a Declaração de Direitos Humanos, várias instituições legais em todo o mundo foram desenvolvidas como formas de evitar as condições de guerra pela inclusão de todos, como pessoas com direito a viver com dignidade. Os direitos humanos são sobre a lei natural, isto é, aquelas leis que são senso comum para pessoas pacíficas e favoráveis à convivência. Qualquer pessoa deve ter o direito à vida determinado por sua própria vontade. Mesmo quando os estados e as classes dominantes pressionam o povo contra essa situação de senso comum, como aconteceu durante séculos, quando os camponeses foram expulsos de toda a Europa ou quando os trabalhadores ainda hoje têm salários abaixo do nível de risco de pobreza. A existência de reivindicações de direitos humanos significa que muitas pessoas não gozam de direitos naturais e é preciso lutar por elas com a própria vida. É claro que esta situação não é pacífica, como também se pode ver pelas notícias. As maiores guerras são inclusivamente organizadas por estados, por muito dinheiro e pela economia paralela.

A justiça social pode ser entendida como um substituto da expressão luta de classes, como a globalização pode ser entendida como uma expressão alternativa ao poder imperial único. Em seu tempo, quando as sociedades comunitárias de trabalhadores auto-organizadas representavam uma maneira diferente de viver, melhor do que a sociedade burguesa hierárquica, a luta de classes significava uma maneira como os trabalhadores poderiam parar a exploração e destruir o poder dos poderosos, acedendo ao direito à boa vida (aos direitos humanos). A oposição a esse tipo de argumentação é reivindicação de justiça e de justiça social, sem luta de classes. Depois das guerras, a luta de classes social internacional tornou-se na oposição de duas superpotências - EUA e URSS – representando, respectivamente, a renovação do capitalismo e a esperança de uma sociedade operária governada. Na prática, dois grandes estados imperiais enfrentaram-se, na Guerra Fria, e um desapareceu em 1989, deixando todo o planeta à mercê do processo imperial dos EUA. A globalização refere-se à esperança de que - finalmente - sob o domínio dos EUA, a humanidade unida se materializaria e o capitalismo seria o último regime, o melhor regime social e econômico concebível. Hoje sabemos mais: o risco de colapso é evidente desde 2008 e as soluções para o problema estão a faltar. De qualquer forma, o reinado da boa fé e da boa vontade inscrita na palavra globalização (tanto com sentido dominante, bem como a alternativa de um "outro mundo é possível") está a desaparecer.


Semestre de inverno 2017


22 de Novembro

Direitos de mulheres e crianças


Considerações prévias sobre os instrumentos de direito internacional aplicáveis nestas matérias, sobre acessibilidade destes instrumentos, sobre a competição que existe entre as várias entidades que têm como missão de os promover. Clicar para algumas ligações pertinentes.

Debate sobre a discrepância, que se mantém, entre as pretensões das sociedades modernas em reconhecer a igualdade entre todos os seres humanos e o facto de se manterem factualmente graves desigualdades e práticas abusivas tirando proveito destas desigualdades. Necessidade de melhor entender como se estabeleceram, nas sociedades modernas – mas não apenas nestas – normas de igualdade; quais são os factores que favorecem práticas contrárias a estas normas; quais são os factores que favorecem práticas que correspondem a estas normas.

Face a uma forma em particular de negação da igualdade e do igual respeito da dignidade de todas as pessoas, o abuso sexual de crianças, uma estratégia recentemente desenvolvida: a “Transformative Justice”. Pode ser entendida como uma maneira de tirar proveito dos apelos à reparação de tais maus tratos, não para recorrer ao aparelho oficial policial e judiciário, que reproduz formas de violência, mas para, pela acção de voluntários não oficiais, de trabalhar no longo prazo na transformação das colectividades, eliminando progressivamente os factores favorecendo os maus tratos às crianças.

Breves considerações comparativas sobre novos conceitos de justiça que surgiram nestes últimos anos: justiça restaurativa, justiça transicional, agora justiça tranformativa; depois da justiça geral, da justiça comutativa, da justiça distributiva, e naturalmente da justiça social. Conceitos que revelam transformações das colectividades humanas tanto no plano das posições dos seus vários membros, como no plano dos mecanismos de auto-observação que desenvolvem: um filósofo que se interroga sobre a justiça na sua sociedade; um militante do movimento operário que se interroga sobre a posição da sua classe e formas de fazer intervir o Estado; cientistas sociais que observam colectividades e propõem maneiras novas de intervir nestas.
GSJHR
 

15 de Novembro

Demografia e migrações

Retoma-se a discussão dos textos abordados na semana passada
Robert I. Lerman and Stephanie R. Schmidt “An Overview of Economic, Social and Democratic Trends Affecting the U.S. Labor Market”

European Commission 2009, Regions 2020 globalisation challenges for european regions

Jonna, R. Jamil, Foster, John Bellamy (2016) Marx’s Theory of Working-Class Precariousness Its Relevance Today

Estes, de alguma maneira, representam os três pontos de vista que se pode deduzir do texto de Habermas: o Estado (texto da Comissão sobre as regiões); a economia (Lerman / Schmidt); a sociedade (Jonna / Foster).

Abordagem ao texto de Aaron Benanav, ”Demography and Dispossession”, 2017. Importância da perspectiva demográfica, que toma em consideração a mera reprodução física do género humano e permite mostrar os efeitos desta reprodução, independentemente dos efeitos de outros processos económicos e sociais. Comparação entre este último texto (p.2) com o de Jonna / Foster (nota 43): os dois apoiam-se em relatórios da OIT: o World Employment Social Outlook 2015 (última edição deste relatório aqui), o que ilustra a importância das organizações internacionais na construção de uma realidade social global.

Apresentação de Dores, A.P, ”Human Rights through national borders” Sociology Without Borders (4):382-297, redigido a partir da observação no terreno do acolhimento de refugiados numa ilha grega. Considerações sobre o tratamento pelos Estados modernos dos que não são reconhecidos como cidadãos de pleno direito, que são vítimas de violências que tendemos, nós que não as sofremos, em não percepcionar, tornando-as invisíveis.

8 de Novembro

Direito e mundo global

Breve apresentação da teoria da actividade comunicacional: condições nas quais comunicamos evoluíram na modernidade. Por um lado, existem âmbitos nos quais produzimos sentido / damos sentido ao que nos rodeia e ao que nos acontece num processo de comunicação no qual também nós nos identificamos com locutores (tomamos consciência de nós próprios quando já estamos a comunicar; Habermas designa estes âmbitos de Lebenswelt / Lifeworld ). Por outro lado, existem domínios (sistemas) nos quais os indivíduos deixaram de dominar actualmente os símbolos que mobilizam (não se pode redefinir aqui e agora o sentido das palavras e outros símbolos que utilizamos): na administração e na economia: não se podem discutir os poderes legalmente atribuídos, a não ser em novos processos legislativos; não se discute o valor do dinheiro. O que está em jogo é articular estes dois domínios radicalmente diferentes um do outro. Um dos grandes problemas que as sociedades modernas devem solucionar é a relação entre sistemas e Lebenswelt. Numa primeira etapa, Habermas aborda este problema, em vários locais na Teoria da Actividade Comunicacional à luz da tese da “colonização da Lebenswelt”: o domínio dos sistemas estender-se-ia progressivamente, enquanto diminuiria o âmbito onde podemos definir o sentido das nossas experiências. Esta tese é ilustrada por Habermas pelos resultados de investigações de sociologia do direito, que observam a tendência em regulamentar cada vez mais domínios da actividade social, nomeadamente a família e o sistema educativo, por normas jurídicas: a chamada “juridicização” (ver o texto “Tendências da juridicização”, que é um dos últimos capítulos da Teoria da Actividade Comunicacional). Numa segunda fase, interessa-se pela maneira como a Lebenswelt “cerca” os sistemas ( no livro Facts and Norms [1992] 1996, disponível na biblioteca do ISCTE-IUL).

Numa primeira parte de “Tendências da juridicização”, Habermas procura interpretar o desenvolvimento do direito moderno como revelando a maneira como se diferenciaram, ao longo da história, o sistema político-administrativo, o sistema económico, e um âmbito menos estruturado formado tanto por espaços públicos de debate como por espaços privados onde nós nos podemos retirar e organizar à nossa maneira as nossas relações com outros; e como dinâmicas dos sistemas político e económico tiveram impacto sobre os espaços públicos e privados menos estruturados, o que levou a adopção de medidas de protecção das pessoas (políticas sociais). E procura analisar mais precisamente os efeitos possíveis destas medidas de protecção, que implicam novas formas de intrusão do Estado e da economia nas esferas privadas, introduzindo a distinção entre direito-instituição (regras jurídicas consagrando princípios fundamentais susceptíveis de favorecer uma actividade comunicacional geradora de novos significados) e direito-medium (regras jurídicas que enquadram o funcionamento de organizações que podem interferir com esta actividade comunicacional).

No seguimento desta apresentação debate sobre as condições nas quais comunicamos na actualidade. – As facilidades que oferecem as tecnologias que permitem comunicar à distância, sendo que nem tudo o que participa na comunicação entre presentes pode ser facilmente comunicado por estes meios. Pensar na importância que podem revestir silêncios. – O que significa mais precisamente comunicar e sobre a possibilidade de comunicarmos com o mundo não humano. – Sobre a diferenciação de formas de comunicação através da história. Nomeadamente a diferenciação de formas de comunicação vividas como possibilitando uma aprendizagem (sendo que potencialmente qualquer comunicação, no seu processo actual, poder ser fonte de aprendizagem). Possível ligação entre estas formas de comunicação e ofícios que se desenvolvem em particular no Renascimento (pensar nomeadamente na arte). O Estado moderno surge tirando proveito destes ofícios e enquadrando o exercício destes. O que pode acarretar limitações na actuação das pessoas, mas o que também, em certas circunstâncias, pode abrir espaços de actuação.

Breve comentário aos três textos previstos para discussão nesta semana: (1) como reagem Estados à globalização? (2) Como se desenvolvem regiões no contexto de dinâmicas globais? (3) Emprego estável e precariedade num economia globalizada.
 

25 de Outubro

A História e histórias do Estado-nação


O estado-nação foi construído no ocidente. É uma forma de estado particular, diferente do que foi feito por outras civilizações. Foi um tipo de estado que foi, mais recentemente, copiado por todo o mundo.
O estado-nação, na era da globalização, é pensado como secundário, no que concerne a capacidade de exercício do poder. As grandes empresas transnacionais, a circulação de capital e mercadorias, foram beneficiadas e tornaram-se mais livres. Os movimentos de pessoas tornaram-se um dos principais problemas políticos (imigrantes, refugiados).
Dizem artigos de jornais alemães e ingleses, de direita e de esquerda, desta semana, que está na hora de mudar de políticas abrasivas para as sociedades: assegurar continuidade nas relações laborais – por isso ser favorável à inovação e às empresas – e combater o racismo emergente. Destaca-se a recomendação do FMI para o crescimento de investimento em políticas sociais. Estaremos a viver a transição para um novo ciclo político, organizado de cima para baixo? Será o fim do período neo-liberal da política ocidental?
O estado moderno tem as suas raízes nas Companhias das Índias dos vários soberanos que as construíram, para organizar as actividades dos Descobrimentos: para organizar estrategicamente os negócios além mar, com apoio dos militares, e para cobrarem impostos para as coroas de modo a manter a capacidade de investimento. A sua laicização, nomeadamente através da Revolução Francesa, veio descobrir a Nação. Noção messiânica e imperial, como Napoleão, que elevou as populações dentro das fronteiras a uma Nação (ficção de homogeneidade étnica que ainda hoje é utilizada pelos racistas para fazer política). A construção da Nação foi feita sobretudo a partir do final do século XIX (hino nacional português, descoberta dos Lusíadas, criação da história de Portugal, com Alexandre Herculano, partilha de África na conferência de Berlim, em que os direitos históricos foram tidos em conta, etc.). Foi feita de forma opressiva para os que tinham culturas diferentes da que foi adoptada como oficial, como no caso da língua, fazendo apelo aos instintos de identidade social.
Habermas, ao apresentar a sua tese de jurisdificação, da crescente maior intervenção dos processos e princípios jurídicos na esfera da experiência, na vida social, quatro etapas de estado, desde o século XVI, que ilustram a evolução do estado-nação: o estado privado, contratual, que serviu os interesses comerciais das coroas contra os aristocratas terratenentes; estado de direito, que passa a controlar um território nacional dentro de fronteiras e a assegurar direitos básicos, à vida, à propriedade, à liberdade de uso dos recursos privados; o estado de direito democrático, em que os direitos de participação no aparelho de estado e de usufruto dos direitos básicos por este assegurado foram estendidos à classe média e aos trabalhadores; estado social, é quando o estado passa a intervir também na esfera do trabalho, nomeadamente reconhecendo os trabalhadores como parte mais fraca no contrato assalariado.
Outras etapas podem ser descrever, com mais ou menos utilidade, as diferentes fases da evolução do estado. Como a que dirá que o estado moderno começou por ser dependente do poder legislativo, com na Inglaterra. Passou a ser centrado no executivo, tendo por modelo a intervenção Napoleónica. Espera-se que seja agora a vez do poder judicial ser predominante, quando as sociedades se tornam mais litigantes.
O certo é que houve um tempo em que o estado não existia. Um tempo em que o estado evoluiu e se complexificou. Há orientações políticas bem sucedidas e mesmo dominantes que pressupõem a redução do estado a um mínimo, até que possa vir a ser abolido, em nome da liberdade (a nova esquerda cruza-se com o neoliberalismo a este respeito). Embora, na prática, o estado e a burocracia seja cada vez mais parte da nossa identidade pessoal (nacional, comercial, profissional, sem um registo burocrático arriscamos deixar de poder sobreviver, como acontece com os apátridas ou os migrantes sem papeis).

 

18 de Outubro

O que é a globalização?

A globalização é uma expressão que começou a circular a partir dos anos 80 e sobretudo 90 do século passado. Embora se possa dizer que a tendência para a globalização é uma característica inata na espécie humana, pois desde que saiu de África não fez outra coisa a não ser colonizar o mundo. A Europa, em particular, começou a colonizar o mundo a partir do século XIV. O comércio internacional marítimo (em contraposição à rota da seda e todas as vias terrestres de comércio, assim como às lutas entre os cavaleiros das estepes euro-asiáticas e as sociedades sedentárias) surge na sequência dos primeiros passos daquilo que no século XIX se veio a chamar colonização. O capitalismo, como sistema, surge no meio desses acontecimentos, em Inglaterra; e expande-se com eles.
Há duas visões ideológicas sobre isto: a anglo-saxónica e a francófona. A globalização (anglófona) é um processo pragmático que não depende da vontade de ninguém: é uma força da natureza, imparável e sobretudo não regulável. A mundialização (francesa) é um processo cultural de realização do melhor que os valores universais podem oferecer à humanidade, o que significa o respeito por regras jurídicas e humanitárias.
Há, de facto, uma globalização mais superficial (redes de comunicação via TV, internet, rede de transportes, redes de turismo e de trabalho internacionais, comércio de produtos normalizados disponíveis em todo o mundo – macdonaldização – etc.) que explica como Bin Landen também consomia produtos ocidentais, como o relógio que usava no pulso quando fez a sua apresentação ao mundo, após o ataque às Torres Gémeas, como líder de movimentos anti-modernos e anti-ocidentais. (Na verdade, sem a livre circulação de capitais e a guerra privada – completamente proibidas antes dos anos 80 – não haveria a possibilidade de organizar a Al Quaeda).
Há, ao mesmo tempo, uma globalização mais profunda. Como aquela que se reflecte nos incêndios em Portugal. Resultado de políticas de modernização acelerada a partir da entrada na agora União Europeia, quando um terço da população deixou o mundo rural e se tornou urbana, abandonando abruptamente o interior do país a uma desertificação humana que antecipou de algumas décadas a anunciada desertificação climática, decorrente das alterações climáticas. As consequências práticas dos fenómenos climáticos extremos que têm ocorrido são mais graves porque as populações não estão preparadas; e o estado também não.
Os interesses que são medidos pelo PIB, pelo valor produzido em cada ano, são sobretudo aqueles que estão ligados ao comércio internacional, onde o valor especulativo, a especialização, o extrativismo, a exploração da natureza e da força de trabalho, permitem a acumulação de grandes riquezas mas deixam um rasto de desorganização, desorientação, pobreza, falta de solidariedade e terra queimada. Um classe de pessoas internacionais e com acesso às tecnologias mais sofisticadas vive de forma alheada das outras pessoas, e sobretudo daquelas que ficam presas nos territórios locais de que dependem e onde organizam a vida. Os estados, virados para apoiar e beneficiar, via impostos e através das oportunidades de subir na vida oferecidas aos seus mais altos funcionários (sobretudo aos políticos), desenvolvem políticas sociais que não dignificam as pessoas em necessidade: ao contrário, humilham-nas e incapacitam-nas.
Os caminhos abertos para ultrapassar estas contradições, entre o ideal e a realidade, são o do retorno ao passado do estado nacional para beneficio dos nacionais, proposto pela extrema direita, e uma série de utopias práticas avançadas por empresários locais e movimentos de sociedade civil, incluindo projectos comunitários, dispersos entre si. A híper especialização funcional e cognitiva, assim como a dualidade social entre os que têm acesso aos recursos modernos de mobilidade e os outros, são obstáculos à cooperação em torno de uma narrativa de futuro que seja mobilizadora.
 

11 de Outubro

Direitos Humanos - teorias

A necessidade de uma teoria dos direitos humanos, levantada por Amartya Sem, passa por explicar de que modo esses direitos são adquiridos pelas pessoas e com que âmbito são gozados. Há quem diga que os direitos são indissociáveis de obrigações e deveres, sem os quais os direitos não existem. Quer dizer, quem beneficia dos direitos é porque tem condições para os manter, isto é, cumprir obrigações.

Esta é a teoria ainda hoje válida nas profissões, pois é preciso ser-se “competente” para a exercer como um direito, distante dos que “incompetentes” são meros objectos da acção profissional. Mas é também válida nos aspectos económicos e sociais: há quem reclame ser realista fazer depender os direitos económicos e sociais, diz Sen, da escassez própria de cada sociedade. Se um país é pobre, os direitos económicos e sociais (a fornecer pelo estado) terão de ser adequados às possibilidades de realização dos estados. O autor alega que isso não é verdade: os direitos económicos e sociais são obrigações morais e sociais e não apenas ou sobretudo obrigações de fornecimento de serviços pelo estado ou por profissionais.

Os direitos humanos são, no sentido de Sen, o reconhecimento do direito de todos os cidadãos de organizarem e participarem na transformação do mundo para beneficio de todos, sem ser prejudicado na sua vida pessoal, com perseguições ou discriminações ou retaliações. Nomeadamente apoiando directamente aqueles que estão em situação de necessidade e reclamando do estado e de outras instituições – como as empresas ou as famílias – respeito pelos direitos de primeira e segunda geração (participação política e cívica, na primeira geração de direitos humanos, acesso a bens económicos e culturais, na segunda geração).

Para Sen, trata-se de um modo social e moral de desenvolver as liberdades em qualquer parte do mundo, independentemente das riquezas relativas dos países e dos sectores de actividade. Em todo o lado há que maximizar as capacidades individuais e colectivas.

Os movimentos de direitos humanos fundam-se em determinações morais imperfeitas (facultativas) e perfeitas (obrigações sob pena de penalização moral por abstenção). Quem poder, deve ajudar a alimentar sem abrigo ou a defender os direitos dos presos. É uma determinação moral imperfeita. Toda a pessoa que assiste a um acidente de automóvel ou a uma pessoa em risco de afogamento num rio ou no mar, tem estrita obrigação de procurar socorrer quem está em perigo eminente. É uma determinação moral perfeita.

Os direitos humanos referem-se também a práticas de agitação e reconhecimento da humanidade de terceiros e desconhecidos, incluindo práticas de observação e publicitação de abusos de poder (do estado e de outras pessoas com poderes), seguindo determinações morais imperfeitas. Práticas de apoio, avaliação e discussão públicas de pessoas em situações de não liberdade. De onde a tortura e as doenças e acesso a cuidados de saúde serem prioritários. Pode-se acrescentar ao que diz Sen a necessidade de crítica profissional às práticas profissionais dos cuidadores (professores, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, sociólogos) incluindo os pais e os conjugues ou outros familiares (namorados, por exemplo). O abuso de crianças, mulheres, a violência conjugal e de género, a destruição de vidas na sua raiz emocional, é uma pandemia hoje reconhecida e perante a qual faltam acções mais determinadas. Situações perante as quais o estado – a polícia e os serviços sociais – está demasiado condicionado para ser eficaz.

O facto de realisticamente, económica ou institucionalmente, do ponto de vista dos estados, não ser possível, em certa situação, realizar direitos – por exemplo, acabar com a pobreza ou com a tortura – não inibe o direito e obrigação morais de reclamar fazer o que for preciso (reformas organizacionais ou transformações institucionais) para atingir objectivos determinados como desejáveis.

A universalidade destes direitos significa que não devem ser restringidos nem a certos grupos sociais nem a fronteiras políticas.

A discussão da tortura, por exemplo, passa por ultrapassar os segredos de estado e os segredos sociais em torno das penas. A retaliação é uma prática social mágica e que funciona ainda hoje. Sobretudo através da negação. E através da distinção entre maus tratos, tratamentos degradantes e tortura. Uma gradação de torturas que tornam as alegações de tortura por um lado mais amplas e por outro lado mais controversas: os maus-tratos são também tortura e, ao mesmo tempo, os maus-tratos não são tortura. Os maus-tratos são menos graves, as torturas inaceitáveis. Se um estado transformar as torturas reais em alegados maus-tratos pode fazer, como acontece em Portugal, representantes do Estado directamente responsáveis pelas prisões dizer que não há tortura no país.

4 de Outubro

Justiça Social - definições

Novak define justiça social como uma forma de promoção e não impedimento do labor da criatividade a favor da evolução positiva dos modelos de vida humana. As sociedades, por razões de autodefesa, têm a tendência para restringir a criatividade, seja por repugnância seja por alheamento. A justiça social, em Novak, é a criação de condições de respeito pelos criadores, fornecendo-lhes as condições óptimas de exercício das suas competências inovadoras, que posteriormente toda a sociedade testará e de que beneficiará.

A esta ideia de justiça social como forma da sociedade apoiar a criatividade e a inovação contrapõe-se a ideia de justiça social construtivista ou institucionalista. Neste caso o respeito é devido igualmente a todos os concidadãos de quem, por sua vez, se pode esperar, de acordo com as diferentes capacidades de cada um, respeito pelas instituições e participação (conservadora ou inovadora) na melhoria das condições de exercício das instituições, isto é, melhorar as possibilidades das organizações cumprirem as finalidades para que foram criadas.

A justiça social, numa terceira perspectiva, será melhor ou pior cumprida, na prática, conforme os arranjos sociais-institucionais em prática. Conforme os casos concretos, de cidades ou estados, e conforme os padrões normativos em curso, democracia ou autoritarismo, contrato social ou mercado livre, por exemplo, assim há mais ou menos oportunidade para realização de justiça social. Pode, pois, acontecer ser colocada na ordem do dia uma qualquer alternativa (como acontece actualmente com a Catalunha) sobre a pertinência de trocar de instituições - no caso, a independência nacional.

A alternativa institucional pode ser com vista a aumentar a participação (referência à primeira geração de DH), as condições de vida material (referência à segunda geração) ou às condições culturais e identitárias de vida (referência à terceira geração de DH).

27 de setembro

O regime de direitos humanos

Antes de ouvir as motivações individual dos presentes para frequentar o curso, foi explicado o modo de funcionamento dos dois sites da cadeira – o site dos sumários e das leituras; o site NING, site dos blogs, para postar e para comentar. Foi apresentado o modo de quantificação da avaliação final.

Na segunda parte da aula apresentou-se a noção de regime dos direitos humanos, como movimento do pós-guerra que envolve questões morais, políticas e institucionais. Movimento que é interpretado à luz da lógica imperial norte-americana, que caracteriza o mesmo período histórico, à luz da influência das boas ideias e da imaginação do que seja a justiça na vida real, à luz do construtivismo institucional. O movimento dos direitos humanos usa diversos instrumentos jurídicos, como manifestos e declarações, sem valor legal, mas com valor simbólico e cultural, as convenções que obrigam os estados signatários a incorporar a legislação internacional na sua legislação nacional, as recomendações que balizam os parâmetros de avaliação internacional sobre o quem seja uma boa legislação.

O valor prático da lei, e em particular da legislação dos direitos humanos, é frequentemente contestado, por ser desrespeitada pelos estados. De facto, a legislação dos direitos humanos tem por finalidade dotar as pessoas individuais de meios de recurso aos tribunais em defesa dos seus interesses e direitos violados pelos estados. A lei e os tribunais, claro, não são suficientes para impedir os abusos de poder. Podem erigir-se em julgamentos condenatórios e exigir que casos de abuso não se repitam. Fazem-no envergonhando os estados que são condenados, apresentando-os à comunidade internacional como violadores da lei e da moral. Os seus efeitos não são abolicionistas dos abusos de estado. São, em todo o caso, um instrumento de defesa (das pessoas) e de ataque (dos estados incumpridores) que tem dado alguns frutos, a avaliar noutra ocasião.

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Sobre os instrumentos jurídicos internacionais existentes que visam a promoção dos direitos humanos, veja a lista comentada publicada no site "Sociologia do Direito no ISCTE-IUL". Distinção importante: entre instrumentos vinculativos e não obrigatórios (terminologia usada com frequência: lei / soft law). Ambos devem ser adotados por uma decisão formal de uma organização internacional. Além disso, os instrumentos vinculativos - geralmente chamados "convenções" - devem ser ratificados pelos Estados membros dessas organizações, por meio de procedimentos nacionais comparáveis ​​aos procedimentos legislativos. Esses documentos vinculativos podem fornecer bases legais para procedimentos contra os estados que ratificaram as convenções. Os documentos não vinculativos - declarações, recomendações - não podem ser invocados como tal; no entanto, referências a eles podem ajudar a construção de argumentos legais.

É certo que os documentos legais têm um impacto simbólico considerável, mesmo que eles sejam mal ou não sejam implementados na prática. Tal impacto simbólico pode ser observado no domínio da responsabilidade social das empresas. As organizações que agrupam empresas privadas, a fim de melhorar a imagem social de seus membros, encorajam-nos a levar em consideração os direitos humanos nas suas relações com clientes e funcionários, enquanto os direitos humanos, em termos legais, apenas se aplicam aos estados nas suas relações com as pessoas.


Semestre de inverno 2016


Tarefas

1. Inscrição na plataforma NING e ler blogs mais interessantes (post nalgum que mereça algum comentário - serão avaliados os 3 melhores posts)

2. Contacto por email com o grupo respectivo

3. Pensar num tema possível para escrever o blog pessoal

14 de Dezembro

Globalização, Justiça Social e Direitos Humanos: diferentes níveis sociais (prezi)

Hierarquias e níveis: globalização, justiça social e direitos humanos

Há uma hierarquia de países que tem o efeito de nos fazer concentrar nos problemas dos países do sul e nas virtudes dos países do norte. Trata-se de um processo de redução e de reificação que homogeneíza as populações dos territórios nacionais através de médias, indicadores médios de nível de vida, e caracteriza o carácter dos povos em função da história das suas relações com as instituições que com eles convivem. O que se passa é que há países mais desiguais que outros, países mais respeitadores dos direitos humanos que outros, países em que a segregação social é maior do que outros. Mas não há países com populações de características médias. As médias é que podem ajudar (ou mascarar) as características das populações. E das instituições.

Cada pessoa luta pela sua sobrevivência, em termos de acesso a bens básicos, como alimentos e abrigo. Mas luta igualmente pela sua identidade, para estabelecer uma relação entre as suas relações sociais de facto e a sua existência, cuja justificação é um problema para os indivíduos da espécie humana. Espécie particularmente sociável e flexível, adaptativa. Mas ao mesmo tempo particularmente frágil, do ponto de vista da interferência mental no estado de saúde. Incluindo a possibilidade de sobreviver estar dependente do sentido que se der à vida. Há quem deixe de viver por razões estritamente ligadas à concepção que tenha do mérito da sua vida, seja em termos afectivos seja em termos de integração social.

Para as pessoas para quem os direitos humanos não estejam permanentemente em causa, como estão para quem não sabe se poderá alimentar-se no dia seguinte ou quem não tenha uma habitação condigna, gente que vive nos países do sul em maior quantidade, mas também é a situação de cada vez mais gente a viver nos países do norte, para gente como nós que discutimos sociologia na universidade, o equilíbrio mental, a importância das concepções subjectivas sobre qual seja o sentido da sua vida, é igualmente importante para a respectiva sobrevivência, para não falar do estado de bem-estar que possamos experimentar.

Pode representar-se esta necessidade de subjectividade humana como uma hierarquia. Diz-se que os pobres são menos infelizes que os ricos, precisamente porque não terem preocupações de protecção de um património familiar nem os conflitos inerentes, estando mais livres para usufruir da troca emocional proporcionada pela presença e convívio com filhos e familiares em geral. Mas, ao mesmo tempo, constata-se a prática recorrente de mimetismo perante os comportamentos dos mais ricos, nomeadamente a democratização do tratamento por senhor, senhora, o uso de nomes de família anteriormente reservado às casas senhoriais, os preceitos de etiqueta, por exemplo à mesa, etc. Bem como o culto dos heróis, dos santos, dos artistas, dos cientistas, etc.

Há uma generalizada valorização da capacidade humana de se elevar, de tornar forte e coerente a subjectividade individual, o carácter, manter a face perante as contingências da vida, de manifestar de diversas formas poder de resiliência à fragilidade da vida e da vida social em particular. Há, igualmente, práticas generalizadas de amesquinhamento, de negação de respeito pelo esforço de elevação da vida existencial de certos grupos sociais estigmatizados, nomeadamente em torno de questões de género, etnia, idade, nacionalidade. No seu conjunto, as valorizações e desvalorizações das pessoas possibilitam e sustentam a produção permanente e persistente de hierarquizações sociais geralmente apriori, isto é, independente dos factos e das experiências, substitutos de factos e experiências, por exemplo por via da tradição ou das heranças. São os chamados preconceitos.

Os preconceitos são facilmente confirmados pela observação superficial – há a tendência das pessoas em se apresentarem de acordo com a representação social que aditem ser alvos, incluindo as pessoas estigmatizadas – que não tenha em conta a história e as oportunidades de devir de cada pessoa em cada situação concreta. Por exemplo, a ideia distanciada dos sem-abrigo ignora e abstrai das condições de existência que produzem tal fenómeno social urbano e as condições que muitos sem abrigo reúnem para deixarem de estar nessa situação. Uma análise mais profunda das situações, tendo em conta o carácter recursivo que é parte integrante da natureza humana, problematiza as hierarquias e procura descobrir o modo como elas são produzidas e se mantém e transformam durante períodos de tempo mais ou menos longos.

As hierarquias estão no centro das definições, contraditórias, do que seja justiça social. Trata-se de oferecer prioridade no uso de bens escassos a pessoas mais capazes de subir na vida, de se elevarem e criarem novas possibilidades de existência superior que possam, eventualmente, ser copiadas pelos outros seres humanos. Cabendo a alguns entre eles (ou até muitos de entre eles) o sacrifício de viver na miséria por efeito da concentração de recursos no apoio à minoria que promete ser heróica (quem valida esta diferença apriori entre o mérito e o demérito, se a igualdade de oportunidades está boicotada à partida?). A esta concepção de justiça social, só possível por contar com a cumplicidade do leitor na estigmatização dos que não sabem ler ou para quem a leitura destes textos lhes parece ser dirigida a outros, opõem-se outras, fundadas em critérios de igualdade mais ou menos exigentes e radicais.

Como se sabe, nos países do socialismo real as hierarquias continuaram a ser reproduzidas, no caso sob a forma de nomenklaturas. Mas há países onde as preocupações com a igualdade de oportunidades, ao menos a nível escolar, são maiores do que noutros. Há países onde a igualdade de oportunidades se submete à preocupação estratégica de construir elites, isto é, à designação de crianças mais capazes de virem a cumprir papéis de liderança social. Crianças, claro, escolhidas entre os filhos das elites vigentes. Com a implosão da URSS, que não conseguiu atingir a sociedade sem classes, o prestígio dos valores de igualdade tombaram também com ela, em termos internacionais e também de referência no espaço público entretanto ocupado pelo discurso único. Em que a liberdade passou a ser trocada por segurança. O maniqueísmo intelectual vivido durante a Guerra Fria, em que todos os argumentos acabavam por ser avaliados em função de uma decisão sobre a quem serviria: aos EUA ou à URSS, ao primeiro mundo – o mundo livre – ou ao segundo mundo – o mundo do socialismo real, foi substituído pelo TINA, não há alternativa.

Assim, a globalização refere-se a um fenómeno quase natural, fora do alcance das pessoas e dos indivíduos que o sofrem ou dele beneficiam, sem que possam fazer nada contra ou a favor disso. Uma espécie de nomenklatura global capitalista ocupa-se de planos que depois procura impor aos estados nacionais, independentemente das decisões democráticas.

Apesar de haver quem pense a globalização como um desmantelar de fronteiras a caminho da realização da aspiração de haver uma humanidade unificada, no respeito dos direitos humanos de todos e cada, a versão dominante, a globalização neoliberal, pós-moderna, pós-industrial, a sociedade informática ou do conhecimento, tem privilegiado a ideia de competição – entre pessoas e entre países – como fonte de justiça social. Com os seus heróis, empreendedores, e os seus sacrificados, os trabalhadores e os povos (sobretudo os excluídos) sujeitos a políticas de austeridade. Para já não falar do ambiente, explorado de todas as formas independentemente das condições mínimas de sobrevivência da diversidade da vida, incluindo da espécie humana.

Na prática, a globalização vigente é uma ideologia justificativa da hierarquização social, nomeadamente da legitimidade dos funcionários e dirigentes das instituições supranacionais que procuram conduzir, por cima das democracias (onde elas existam), os destinos das pessoas e das nações. A justiça social é um problema dos estados e das comunidades locais, sacrificadas à lógica mais geral de desenvolvimento cujos frutos servem 1%, os heróis dos nossos tempos. Em vez de fazerem paradas militares, como no tempo dos romanos, escondem-se das manifestações hostis, como nas grandes cimeiras globais. O que não quer dizer que não usem a guerra contra civis, como na Jugoslávia, no Iraque ou na Síria, etc., para aliviar a pressão dos povos contra os hierarcas e, ao mesmo, reproduzir e produzir hierarquias entre pessoas e povos. Dividir para reinar. Num mundo em que os direitos humanos de cada um estão longe de ser respeitados, incluindo nos países que mais os defenderam, como os europeus, actualmente empenhados em construir muros e fronteiras contra imigrantes e refugiados.

7 de Dezembro

30 de Novembro

23 de Novembro

16 de Novembro

Problemas globais que requerem concertação global

 

9 de Novembro

Globalização versus nacionalismos

Com a globalização, aquilo que são as decisões políticas nos principais centros de decisão, importam a todos mas apenas alguns podem intervir, mesmo que da forma singela de deixar cair um voto. E mesmo assim, alguns votos acabam por valer mais do que outros.

Nas eleições norte-americanas a candidata que ultrapassou fraudulentamente as primárias, arredando o seu competidor, perdeu apesar de ter sido mais votada. No dia em que se soube da vitória “inesperada” (nos media, que fizeram campanha), Trump na presidência dos EUA porá em causa a globalização? O fechamento político dos EUA como se fará? A globalização continuará a ser inevitável, apesar da crescente oposição da extrema-direita e dos nacionalismos?

A globalização é uma estratégia de desenvolvimento favorável, teoricamente, ao livre comércio, circulação de bens, capitais e pessoas. Desde cedo se percebeu que a livre circulação de capitais era de tal forma acelerada que vale 10 vezes mais do que as mercadorias a circular entre países. E as pessoas circulavam sob o controlo de sistemas de segurança que tratam os migrantes indocumentados como criminosos. É o capital que se deslocaliza à procura das melhores pessoas para o servir e, nesse sentido, pressionar os trabalhadores beneficiários dos resultados das lutas e concertações sociais nacionais que nos países mais precoces e lutadores começaram no século XIX. A igualdade joga, no quadro da globalização, como um factor de abaixamento dos salários e de condições laborais. Produz exclusão, no sentido de falta de esperança e de possibilidades práticas de grandes contingentes de pessoas de saírem do desemprego e de situações de pobreza. Os ganhos de produtividade, desde os anos 80, têm beneficiado exclusivamente os lucros e abandonado os trabalhadores a jornadas de trabalho cada vez maiores.

Décadas de precarização laboral, sobretudo aplicada às gerações mais novas que a ela se forma adaptando, tornaram o mercado laboral cada vez mais volúvel e instável. Assim como a vida das pessoas. Quando o capital também se manifesta nervoso e inseguro, com a crise financeira de longa duração, a instabilidade repercute-se também na vida política. Apesar de esta estar bem longe da vida quotidiana – a não ser na forma de propaganda mediática provocadora de medos e alimentadora de estigmas – a política começou a ser desmantelada pelas circunstâncias. As pessoas, embora apenas participando de 4 em 4 anos, votam em seja o que for que imaginem que as pode atirar para fora do circulo vicioso. Embora não tenham elas próprias (a maioria), pessoalmente, empenho ou desejo de intervir.

A vitória de Trump é apenas mais um sinal. Mas um sinal que pode produzir um efeito dominó para a direita xenófoba, revanchista e belicista na Europa e noutras partes do mundo. Pelo menos essa inquietação tem sido expressa.

Olhando para trás, depois da Segunda Grande Guerra, há um período muito influenciado pelos rigores da disciplina militar usada, depois de alcançada a paz, para organizar empresas dedicadas à reconstrução da Europa devastada. A geração gerada no fim da guerra, o baby boom, sentiu-se presa por esse militarismo e estabeleceu um programa de libertação pessoal (sexo, drogas e rock&roll) que produziu uma revolução cultural sem transformar as instituições políticas. Criou uma nova ética quotidiana e no trabalho mais avessa à obediência mecânica e burocrática e também à desqualificação do trabalho. A escola de massas vem colmatar em parte esse problema. A terciarização da economia – a desindustrialização – foi outra forma de responder a esses desejos, visto que os colarinhos brancos tinham outra forma de integração nas sociedades modernas, mais dignificada e socialmente apresentável que os colarinhos azuis. Mas a desqualificação dos certificados funcionou e continua a funcionar como a inflacção na economia, comendo os benefícios sociais expectáveis mas não realizados do aumento de escolaridade.

A condução das políticas de globalização são intencionalmente administradas através de instâncias internacionais, como a Organização Mundial do Trabalho, a UNESCO – ambas com influência limitada -, Banco Mundial, FMI, a OCED, a Organização Mundial do Comércio, a admissão de práticas de lobby político na União Europeia – que deu confusão com a saída do Durão Barroso para a Goldman Sachs (afinal como muitos outros). Nomeadamente através das universidades de ciências sociais que conseguiram organizar o monopólio do ensino da economia segundo uma única vertente teórica, a neo-clássica. A que os profissionais chamam economia.

2 de Novembro

Globalização

Globalização é uma expressão que vem substituir desenvolvimento no jargão da política norte-americana. Surgiu em meados da última década do século XX e, paulatinamente, tomou o centro do palco político-científico por iniciativa conjunta dos que a apresentaram como um resultado natural dos propósitos de humanização e do progresso tecnológico (a aldeia global de McLhuan) e os defensores de “uma outra globalização é possível”.

Por um lado, a conjugação de interesses políticos e económicos das maiores potências mundiais discutidas em privado (nas cimeiras dos países mais industrializados e nas reuniões mal afamadas pelas teorias da conspiração) e também em público, como nos encontros anuais em Davos chamados Fórum Económico Mundial. A noção de globalização desenvolveu-se após a implosão da União Soviética (1989) e em torno das novas políticas de comércio desenvolvidas pelo GATT e pela Organização Mundial do Comércio (a que a China, depois de muito pressionada, adere em 2001). Significa coisa parecida com o progresso (entretanto caído em desuso) e esperança na ciência e tecnologia, na sociedade da informação e do conhecimento, que haveria de nos conduzir a mundos melhores. Com a crise de 2008 todo este edifício ideológico e a expressão globalização perderam potência e credibilidade. Na UE, por exemplo, as fronteiras foram reconstruídas sob a forma de muros.

Por outro lado, a partir da experiência brasileira do final do século XX de unificação das esquerdas em novos moldes organizativos de maior respeito pelas diferentes opiniões e posições (Fórum de S.Paulo), e por iniciativa de intelectuais europeus (sobretudo a ATTAC francesa), fundou-se o Fórum Social Mundial, realizando-se em países do hemisfério Sul na mesma época do ano do Fórum Económico Mundial, em Janeiro. “Outro mundo é possível”, foi o mote que ecoou. A organização inibiu a entrada a partidos e sindicatos, mas não a pessoas de partidos ou de sindicatos. Pretendeu evitar a manipulação do “movimento de movimentos” por organizações que o faziam automaticamente.

A globalização refere-se a fenómenos muito diversos. Muitos começam antes da expressão aparecer e que são autónomos entre si. Fenómenos como o uso da ONG´s para substituir as funções sociais dos Estados, o desmantelamento das multinacionais integradas em miríades de empresas que se organizam em torno de interesses financeiros e da precarização das partes da actividade económica menos lucrativas, a privatização das funções do Estado a pretexto de aplicar modos de gestão mais eficazes, a actualização das políticas de exportação de capitais, que fizeram dos EUA uma superpotência, na era em que o fim da União Soviética abre novos mercados e acaba com as esperanças de haver modos não mercantis de organizar a modernização das sociedades (incluindo na China comunista), a mobilização das novas tecnologias de informação para organizar o controlo financeiro sobre as empresas e sobre a generalidade das actividades humanas, comerciais ou de segurança, a construção do sistema financeiro global unificado, etc. Na vida prática, os transportes tornaram-se muito mais baratos, tanto para as pessoas como sobretudo para os produtos industriais que transformam o modo de vida norte-americano num processo a ser copiado em toda a parte – é o que se chama a macdonaldização. Política que depende de subsídios ocidentais à agricultura industrial e impõe à agricultura tradicional (ou não subsidiada) uma concorrência desleal, destrutiva da diversidade cultural e causando a dependência das culturas de drogas ilícitas – a única agricultura lucrativa em muitas partes do mundo – e dos produtos alimentares industrialmente processados (causando problemas de segurança alimentar).

A humanização da Terra através da globalização – novas potencialidades de comunicação e mútuo reconhecimento das pessoas e povos – é uma coisa desejável. Os sacrifícios exigidos – como a perda de perspectivas de boa-vida, como limitações nos rendimentos dos que precisam deles, redução de oportunidades de acesso a cuidados de saúde ou aos tribunais ou à educação – nos países do norte tornam-se pouco compreensíveis.

A concentração da produção, da riqueza, da língua (inglesa), do comércio internacional, dos media, do poder de Estado, contrasta com a insegurança local, seja perante as lutas geostratégicas que podem usar qualquer território para fazer a guerra seja perante os ditamos políticos sob a ameaça de sanções financeiras, seja pelo crescimento da pobreza e do desemprego ou da precariedade no trabalho e na vida. A solidariedade global, com o crescimento da economia global sobretudo nos países emergentes, onde a criação de empregos foi exponencial e as taxas de crescimento da economia também, criou novos ingressos na chamada classe média. À custa de uma pressão para menores salários nos países mais ricos, política favorávei à acumulação de lucros para os investidores. Sem conseguir evitar o refluxo económico e financeiro nos países emergentes, a braços igualmente com a crise global do capitalismo e dos Estados e dos mercados.

26 de Outubro

Origem da noção de direitos humanos 

A noção de direitos das pessoas é relativamente recente. Surge no Renascimento. Resulta nomeadamente de uma progressiva valorização da figura do indivíduo ao longo da Idade Média. Esta pode ser relacionada com a decomposição do Império Romano, que dá lugar a um conjunto complexo de colectividades, cada uma tendo os seus próprios costumes. Nesta situação, a solução de qualquer problema passa pela identificação do direito que se aplica a determinada pessoa, ou seja por uma individualização do tratamento dos problemas. A própria geografia requer referências de orientação. São em particular santuários, identificados por determinados santos, ou seja por referência a determinados indivíduos. Esta maneira de considerar os indivíduos pessoalmente corresponde, aliás, de maneira mais geral à concepção da pessoa no Cristianismo. 

A construção da figura dos santos – “cristãos exemplares” – pode, desta maneira, ser considerada como uma etapa na construção da pessoa moderna, que dispõe de direitos. De facto, nas vidas de santos, um género de texto que se generaliza na Idade Média, o processo de construção da personalidade do santo faz intervir motivos normativos: o futuro santo solicita a autorização ao Rei de entrar na vida religiosa; nesta, deve sujeitar-se a regras particularmente duras, e é a autorização e o cumprimento que permite à pessoa aceder à santidade, que, por sua vez, faz que outras pessoas deverão adoptar determinado comportamento em relação a esta pessoa. Importante para esta noção do santo é que acede a este estatuto, cumprindo determinadas normas, por processos subjectivos: o desejo interior de entrar na vida religiosa; uma vontade interior de se submeter às regras mais duras, etc. (esta parte da aula apoia-se na análise dos seguintes dois documentos: Le charroi de Nîmes e a Vida de Saint-Guilhem). 

A figura do santo cria condições para se desenvolver a noção de personalidade de excepção – génio – que vai surgir no Renascimento. Uma diferença importante em relação ao santo é que o génio se distingue num domínio cultural específico, na arte ou na ciência. Significativamente, um momento importante na construção da noção de génio é a publicação das “vidas” de artistas por Giorgio Vasari, que seguem um formato análogo ao das vidas de santos. De maneira análoga aos santos, os artistas e cientistas do Renascimento acedem a essa qualidade ao aderir a determinadas confrarias (corporações, mais tarde academias). Adquirem o seu estatuto ao sujeitar-se às obrigações impostas por estas confrarias, que também lhes conferem direitos. E a sua actividade é, numa parte importante, uma actividade mental. 

A partir da figura da pessoa de excepção, dotada de direitos, ligados ao facto de esta pessoa ter uma intensa actividade mental, que pode ser um exemplo para outras pessoas, vai assistir a um processo de generalização: não apenas santos / génios são dotados de uma personalidade que tem direitos ligados à sua subjectividade, mas tendencialmente todos os seres humanos. Esta generalização processa-se em debates entre juristas entre o Renascimento e o Iluminismo. Um factor que poderá ter favorecido esta generalização é a seguinte experiência: com a diferenciação funcional da sociedade em vias de modernização, as pessoas perdem a possibilidade de se situaram de maneira unívoca numa determinada colectividade. Participam em várias actividades (economia, relações com a administração, vida local, arte, ciência, etc.), sem poder já integrar-se completamente em nenhuma destas actividades. Uma maneira de compensar a forma como domínios diferenciados marginalizam de alguma maneira as pessoas, acolhendo apenas as suas actividades especializadas, é reconhecer às pessoas direitos (hipótese defendida por Niklas Luhmann; ver o meu texto: “Os direitos subjectivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann”, 2011). 

Esta noção de pessoas dotadas de direitos vai permitir imaginar um novo fundamento para a soberania política, na Independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa. As Constituições que se elaboram em muitos países durante o Século XIX vão reconhecer “direitos” aos cidadãos. 

Estes direitos, no entanto, apenas podem ser invocados pelos cidadãos do Estado cuja Constituição reconhece direitos. Pode assim acontecer que determinadas pessoas fiquem sem direitos, se ficarem apátridas. Hannah Arendt, nas Origens do Totalitarismo (1951) aponta este facto como tendo favorecido práticas – de marginalização e eliminação de pessoas – que conduziram ao Totalitarismo. Apoiando-se nesta observação, defendeu que qualquer pessoa tem o direito de ter direitos. São percepções análogas da situação mundial que conduzem a adopção, pela Assembleia das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O processo de institucionalização dos direitos humanos

Passa-se, no plano internacional, de uma Declaração, não vinculativa, para instrumentos mais constrangedores, que obrigam os estados que os ratificaram, a publicar balanços das suas acções a favor dos direitos humanos (ver os Pactos das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos, e sobre os direitos económicos e sociais), ou, de maneira mais incisiva, a submeterem-se a um determinado tribunal internacional se uma pessoa actuar contra estes estados por considerar que os seus direitos foram ofendidos (ver a Convenção Europeia dos Direitos Humanos).

Estes instrumentos favoreceram, por um lado, o desenvolvimento de Organizações não Governamentais, que se especializaram no acompanhamento da actuação dos estados à luz destes instrumentos. Por outro lado, favoreceram o desenvolvimento de uma cultura judiciária transnacional, pela maneira como os vários tribunais internacionais se citam uns aos outros.

Críticas aos direitos humanos

Limito-me aqui a duas breves menções. Uma crítica importante é que muitos dos instrumentos actualmente em vigor foram formulados antes da descolonização, e reflectem portanto uma concepção ocidental das normas sociais. Outra crítica que se pode avançar é que os direitos humanos são pensados numa relação de excessiva dependência em relação aos estados, actores da sua concretização. Se radicalizarmos a lógica democrática, no entanto, a própria concretização dos direitos requer a acção dos membros da colectividade. Logo estes têm o direito de participar na concretização dos direitos dos outros membros da colectividade. Curiosamente, a discussão dos direitos de participação na acção da colectividade – além da mera participação em actos eleitorais – está actualmente ainda pouco desenvolvida. Falta assim uma peça indispensável nas nossas concepções dos direitos das pessoas, já à luz dos nossos próprios critérios ocidentais de democraticidade.  

Justiça social

Direito

Liberdade para quem cria novas capacidades e competências (Novak)

Santo - Génio

“Sol do horizonte” chinês: subordinação ao colectivo/mercado

Diferenciação funcional – direitos das pessoas comuns especializadas

Institucional (social-democracia)

Expansão da rede institucional e da influência do direito em termos da criação de diversos níveis de intervenção, nacional e internacional

 

19 de Outubro

Justiça Social

Justiça refere-se a duas coisas distintas: o Juízo Final e a justiça dos homens. Isto é, o valor absoluto e subjectivo da acção e o valor relativo e objectivo da acção. O valor virtual da vida, diversificado e infinitamente transformável, confrontado com o valor atribuído e fixado para a vida própria e alheia em cada momento, pelos poderes de facto.

O direito reflecte isso mesmo: aquilo que está nos livros parece perfeito e será perfeito se for interpretado com critérios justos. Aquilo que se passa na prática, nos julgamentos efectivamente realizados, é a frustração das expectativas de justiça ser realizável para todos ao mesmo tempo. Esta descoincidência entre o mundo virtual e o mundo real é a base moral das religiões e do direito. Bem como de todas as teorias.

A justiça é, pois, uma expressão polissémica. Pode querer mencionar a acção sancionatória de um poder superior sobre alguém sob a sua tutela; ou mencionar uma reacção equivalente proporcionada pela sociedade, ou por algum poder em nome dela, perante um acto de perturbação da ordem legítima; ou mencionar o equivalente do significado anterior mas referido a factos naturais, como um acidente ou uma doença (por vezes apresentado, de forma mágica, como superstição, como discriminação, consequência ou efeito de comportamentos humanos); ou mencionar a ponderação judiciária de casos entregues a julgamento; ou mencionar a avaliação da opinião pública sobre casos tratados através da comunicação social; ou mencionar a violência infligida em vítimas das acções das forças de segurança do Estado. Tudo isto são versões muito diferentes entre si de usos da palavra.

Com a modernização do Estado, entra-se historicamente num período de forte e crescente diferenciação social – individualização, especialização e institucionalização – estruturada de princípio entre a economia ou os mercados, o Estado ou a política. A sociedade (consciência social ou relações sociais, família) é o que resta de fora da diferenciação institucional.

O Estado, por sua vez, diferenciou-se internamente em poderes legislativo, executivo, representativo e judicial. É deste último que se espera, tantas vezes em vão, apoio para realizar a justiça. Espera-se autoridade para obrigar o Estado ou empresas ou particulares a fazerem justiça ou, ao menos, a não serem injustos. Porém, como se costuma dizer, os actos injustos vão sempre à frente da capacidade e do conhecimento dos magistrados sobre a sua existência e, portanto, fora da capacidade de intervenção do Estado.

Rawls e Sem desenvolveram abordagens do que deve ser a justiça muito referenciadas. O primeiro para reclamar das instituições fairness, isto é, uma consciência das desigualdades sociais economicamente induzidas e, portanto, uma atenção especial das instituições e profissões judiciais para procurarem compensar em sentido inverso as desvantagens de quem usa os serviços judiciários. O segundo nota que se as instituições se abstessem de inibir os movimentos de libertação dos mais socialmente necessitados e, se possível, lhes abrissem oportunidade de desenvolver os seus próprios processos de libertação, isso seria uma óptima contribuição para a justiça social.

A coligação estratégica entre a economia e o Estado, aquilo que se chama economia política, tem-se mantido ao longo das últimas décadas à custa do sacrifício das sociedades alvo dos planos conjuntos estado-empresários. A exploração da terra (sector primário) e das capacidades de trabalho (sector secundário) têm sido organizadas (sector terciário) para transformar as sociedades em conjuntos de trabalhadores consumidores cuja felicidade, satisfação, bem-estar é tido em conta. Mas apenas na medida em que isso permite reforçar o crescimento económico, dos impostos e dos lucros.

A justiça social é, pois, a designação polissémica que estuda, de forma ideologicamente interessada, os efeitos práticos da modernização na vida extra-institucional das pessoas, por exemplo estudando as desigualdades sociais, os problemas levantados pelos movimentos sociais, o modo como as instituições canibalizam a vida dos trabalhadores, o modo como a exploração da natureza permite sustentar o sistema por mais algum tempo, a eficácia dos sistema de educação e de saúde apresentados pela social-democracia como contrapartidas institucionais da exploração, etc.

Podemos distinguir, em termos ideológicos, três correntes de pensamento: a elitista, a teleológica e a institucionalista. A primeira parte do princípio que não há recursos nem disposições para sustentar o avanço da civilização se não se der prioridade à liberdade de acção dos mais capazes, aqueles predestinados por Deus ou pela evolução, de modo a que possam realizar em vida os feitos extraordinários que fazem a vida colectiva – através do mimetismo – dar saltos qualitativos.

A segunda imagina a evolução da espécie humana como resultante das formas de coordenação da vida colectiva, nomeadamente a da capacidade de produção de bens essenciais. A justiça social será aquilo de que se poderá vir a beneficiar assim o sistema produtivo esteja afinado de modo a oferecer a todos e cada um as oportunidades de vida que forem possíveis em cada momento. Todos devem estar dispostos a sacrifícios para atingir esse objectivo, um dia, e para, ao mesmo tempo, não destruir ou dificultar o caminho até lá, sob a orientação das políticas progressistas: a economia política vigente com vista ao crescimento do PIB.

A terceira imagina as instituições como construções complexas e paulatinas de que a civilização depende. Nomeadamente a paz, a organização do trabalho, o respeito pelos direitos individuais. Reconhece que as instituições estão longe de assegurar a justiça social ou a produção mais económica. Mas isso não desmerece as vantagens dos processos de institucionalização cada vez mais facilitados pelo desenvolvimento da diferenciação do Estado e dos mercados no íntimo da sociedade, através da educação, da profissionalização, da sociedade civil, do espaço público, dos associativismos, etc. A divisão de trabalho profissional e institucional tem a vantagem de acumular conhecimentos e formas práticas de regulação da vida social, mantendo a coesão social mesmo onde a sociedade não tem capacidade de intervir – como no acolhimento e cuidados de populações não competitivas, como crianças, idosos, pessoas sem autonomia, etc..

12 de Outubro

Apresentação e organização do Curso

Após as apresentações pessoais, foi apresentado o site da cadeira e a utilidade das suas páginas. Em particular foi anunciado o envio para o email de cada estudante de um convite para inscrição e entrada no NING (plataforma de trabalho da cadeira internacional). Foi chamada a atenção para os conteúdos das páginas do site “Activity and Evaluation”, “Resources”, “Sumários” e “Working global groups”. Passou-se a apresentação do sentido geral do trabalho a realizar.

 

Abrir as universidades, descer das torres de marfim, democratizar, pô-las ao serviço das sociedades, abrir as ciências sociais (trabalho organizado por Wallerstein para a F.C.Gulbenkian) são finalidades estratégicas muitas vezes enunciadas. Interpretadas de modos muito diversos. Actualmente sobretudo por políticas que tratam os estudantes já não como alunos mas como clientes: pagantes de um serviço cuja qualidade depende do ranking das universidades e dos cursos, isto é, do valor de mercado da marca inscrita nos respectivos certificados escolares. O que corresponde às notícias de governantes adeptos destas políticas apanhados a obter certificados escolares ilegitimamente.

Esta unidade curricular (UC) constrói-se em torno de uma oportunidade de abertura objectiva do trabalho universitário ao mundo. Através da internet, formam-se grupos internacionais de estudantes que irão escolher um tema para tratar e partilhar trabalho para esse fim. Mostra um caminho ainda por percorrer e as suas dificuldades. A primeira das quais a diferente relação dos diferentes parceiros com a língua franca, o inglês e o seu pragmatismo. A que devemos aprender a contrapor, no nosso caso, o português e o seu fado. Traduzidos para outros poderem entender.

A abertura que aqui se vislumbra é diferente e não substitui outras aberturas igualmente necessárias, como a abertura à consideração com igual atenção e profundidade das diferentes condições sociais de existência, por exemplo, das pessoas que passam fome regularmente ou são dependentes politica e socialmente de estruturas opressivas hierarquicamente montadas para alhear grupos sociais inteiros da expectativa de estudos superiores ou da acção cívica. Ou como as pessoas imigrantes, com direitos limitados e a sofrerem pressões administrativas e outras dos Estados que seriam próprias de Estados totalitários se se aplicassem a toda a população. Pessoas bem diferentes daquelas que frequentam as universidades. Embora todos na universidade tenham conhecimento da existência desse tipo de pessoas e façam, demasiado frequentemente, abstracção dessa existência.

A justiça social e os direitos humanos, portanto, não são assuntos que digam respeito apenas a países do terceiro mundo ou a países terceiros com problemas como o racismo, a violência armada, o terrorismo, de falta de liberdade de expressão, como são os países onde vivem os nossos colegas norte-americanos e russos. Dizem também respeito a Portugal e ao Brasil e a todos os países, com as suas especificidades. Ainda que haja que reconhecer que cada um de nós, e provavelmente os nossos colegas estrangeiros igualmente, tomamos dois pesos e duas medidas quando as injustiças e as violações dos direitos se passam junto de nós (tendemos a meter a cabeça debaixo da areia) ou quando se passa em países distantes ou até com os quais não simpatizamos (por razões históricas e simbólicas) ou consideramos menores (como os países que foram colónias). Nestes últimos casos podemos mais facilmente reconhecer as injustiças e as violações de direito, talvez porque admitimos estarem fora do nosso alcance de actuação para melhorar a vida.

Para este curso os docentes recomendam aos estudantes o uso da possibilidade de proposta de um projecto de intervenção social, como trabalho final, precisamente por que completaria melhor o sentido do esforço de abertura com que a UC está comprometida.


Semestre de inverno 2014


3 Dezembro

Ambiente, moral e natureza

Globalização, Justiça Social e Direitos Humanos, um olhar sociológico

Leituras para últimas duas aulas:

A luta continua na Palestina, por Mazin Qumsiyeh

A destruição da natureza e os limites do capitalismo, Rumores da Crise

Decisão de Obama sobre imigrantes nos EUA

O individualismo é ocidental? Foi desenvolvido no ocidente como forma de expropriação dos camponeses e dos artesãos das suas competências tradicionais – e também das aldeias e as cortes de controlarem as pessoas, nomeadamente as mulheres, a reprodução e quem estava dentro e fora das sociedades (nomes). Permite imaginar a humanidade, todos iguais. Sem hierarquias e em liberdade.

Os direitos humanos são uma realização jurídica – espécie de sonho tomado a sério, para vir a ser realizado: é uma política, com recursos e instituições dedicadas – da esperança cristã tornada laica. Fixada não como uma política ideológica mas como uma modo de avaliação das políticas vigentes – idealismo que avalia realismo (status quo) num debate que reclama seja institucional. De onde as conferências de direitos humanos aceitarem defensores da pena de morte e as forças de segurança aceitarem activistas dos direitos humanos.

A construção e afirmação de discursos não é todos os azimutes: tem caminhos a explorar e desenvolver. É um trabalho social, como as linguagens. O caminho dos direitos humanos, vimos, legitimou a ONU, o ocidente destruído pela guerra (civil) e a exploração (do planeta e dos recursos humanos). Mas legitimará qualquer política que se possa apresentar como melhor do que as outras no respeito pelos direitos humanos, como faz o neoliberallsmo (e não faz a esquerda de Boaventura SS, por exemplo). A globalização extractivista, sexista, bélica, criadora de uma casta/ordem de políticos/financeiros contra a igualdade (destruindo os estados de direito através de off-shores, por exemplo) tem sido legitimada pela produção de empregos para os recursos humanos flexíveis, como forma de dar valor social a identidade das pessoas desesperadas, sem refúgio no comunismo (entretanto implodido).

As lutas pela justiça social passaram a estar enquadradas por financiamentos concorrenciais pagos pelos estados para as excluírem da arena política (reservada à casta). A chamada sociedade civil ou activismo. Cuja emergência na política tem sido adiada pela desmobilização organizada pelos partidos de esquerda vanguardistas e operários (cultura de fusão incompatível com a cultura individualista das classes médias, modelo escolarizado de referência para os recursos humanos, incluindo os operários (nova cultura do trabalho).

Quadro 7.1. Identidades e activismos sociais contra a violência: economia, administração e missões

Propostas

Economias (Greaber, 2011:94)

Positivas (harmonia autoadministrada)

Negativas (competição hetero-administrada)

Missões (níveis institucionais de intervenção)

Comunismo (familiar)

Justiça transformativa (AAVV, 2013)

Justiça administrada

Violência pela violência (segurança)

Hierárquica (assimétrica)

Bem viver (Acosta, 2013)

Desenvolvimento

Identificar o mais fraco (justiça)

Mercado (entre estranhos)

Rendimento básico incondicional (Torry, 2013)

Assalariamento

Superioridade do vencedor (competição)

26 Novembro

As limitações da globalização

A Batalha de Freguson, por António Santos, Nov 2014

Mexico Teeters on the Brink and the U.S. Is Oblivious - See more at: http://portside.org/2014-11-22/mexico-teeters-brink-and-us-oblivious#sthash.HwBKDPq4.dpuf
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Mexico Teeters on the Brink and the US Is Oblivious, by Rubem Martinez, Nov 2014

O director do curso internacional, professor em Miami, chamou-nos a atenção de duas situações extraordinárias que estão a ocorrer: o assassínio pela polícia de uma criança afro-americana que espoletou protestos nacionais, mas sobretudo na sua terra natal, Ferguson, onde os manifestantes foram confrontados pelo polícia. Nos EUA esses assassínios e a intimidação pela polícia dos protestos não são tão raros como noutras partes do mundo. Mas desta vez alguma coisa tornou o evento particularmente extenso. Gerando esperança nas pessoas de estar a chegar um tempo diferente daquele que mediou os movimentos pelos direitos civis e a actualidade. A outra situação foi a de 34 estudantes mexicanos que foram entregues pela polícia a um bando de narcotraficantes para serem eliminados, tendo causado horror no país, que continua a organizar protestos a esse respeito, com a indiferença da comunicação social e da opinião pública norte-americana.

Estes dois casos serviram para reflectir sobre o papel, em plena globalização das diferentes agendas mediáticas nacionais e locais por contraste com as agências globais de notícias, e a forma como tratam, ou não, a importância relativa dos fenómenos sociais, em favor de que interesses. Na União Europeia, por exemplo, a entrada dos países de Leste ou dos países nórdicos da União não significou um maior interconhecimento nosso do que se passa nesses países, há pouco tempo afastados do nosso convivio pela cortina de ferro e hoje pela falta de informação, apesar da globalização.

Por outro lado, as lutas pela justiça social são filtradas de forma que aparente preconceito, nomeadamente relativamente ao prestígio político que cada estado dá ao estado de onde vêm as notícias. Da China, as notícias torcem pelos manifestantes. Dos EUA as notícias torcem pelos polícias. Do Brasil, as notícias podem fazer campanha contra o governo, e dar razão aos manifestantes, ou dar razão ao governo, e apresentar o lado da polícia como manutenção da ordem.

Os direitos humanos, que imaginam uma sociedade pacificada e de iguais, como é próprio do ambiente desejável num tribunal, revelam-se impróprios para dirimir as lutas pela justiça social, separadas umas das outras por muros físicos e informacionais que dividem a humanidade para melhor reinarem quem tenha poder para tal.

19 Novembro

As limitações dos Direitos Humanos

 

Propostas

Poder

Propostas de transformação

Contraponto realista

 

Níveis de realidade social

Soberania

Justiça transformativa (AAVV, 2013)

Justiça administrada

institucionalismo

DIZER

Constitucionalismo

Bem viver (Acosta, 2013)

Desenvolvimento

idealismo

SER

Populismo

Rendimento básico incondicional (Torry, 2013)

Assalariamento

materalismo

FAZER

 

AAVV (2013) Transformative justice. S. Francisco: Generations FIVE.  http://home.iscte-iul.pt/~apad/justica%20transformativa/

.Acosta, Alberto (2013) El Buén Vivir - Sumak Kawsay, una oportunidad para imaginar otros mundos, Barcelona, Icaria&Antrazyt

Greaber, David (2011) Debt – the First 5000 Years, Melville House Publishing, New York.

Torry, Malcolm (2013) Money For Everybody - why we need a citizen´s income, London, Policy Press.

 

Universalismo e relativismo, assimilação e multiculturalismo. Estados multinacionais e cosmopolitismo.

Gerações dos direitos humanos. São os direitos da natureza direitos humanos?

A ideologia tanto orienta o futuro para a acção como bloqueia a acção para melhorar o futuro. Versões diferentes da mesma ideologia apropriam-se das palavras e das instituições, iludindo (ou concretizando) sonhos de forma necessariamente controversa e incompleta. Até que um dia as próprias palavras deixam de estar associadas a actos socialmente relevantes e entram num processo de reciclagem. Não é só aquilo que se diz que está em contradição com aquilo que se faz. Também as palavras entram em contradição com os sentidos que lhes damos (uns e outros, e frequentemente nós mesmos para nós mesmos - por isso é preciso fazer livros grandes, obras inteiras, vidas inteiras, e não se consegue mesmo assim acabar com as contradições).

A descrença no direito, por causa das dificuldades de funcionamento da justiça, é um exemplo da descrença nas doutrinas, que pode levar ao relativismo (imaginar que todas as crenças são uma ilusão completamente alheia  à realidade).

O certo é que as práticas discriminatórias, nomeadamente contra mulheres, crianças, idosos, imigrantes e suas famílias, povos primeiros, são reconhecidas e, por isso, mereceram desenvolvimentos especiais (e institucionalmente especializados) dos direitos humanos.  

12 Novembro

À espera da nova sociedade

Partindo do visionamento de O novo sistema, por Saskia Sassen, foi possível identificar limites sociocentricos do pensamento sociológico e também do pensamento de qualquer ser humano. A nossa identidade (nacional, ideológica, de género, científica) formata o nosso modo de olhar o mundo. As avaliações que dele fazemos está também condicionada a essa experiência e a esse posicionamento no seio das experiências anteriores e futuríveis.

A socióloga de origem holandesa descreveu a culminar e o declínio do estado liberal. A trabalhar nos EUA, estado liberal refere-se à aliança entre os trabalhadores e as profissões liberais que entre o fim da guerra e os anos 70 terão permitido o desenvolvimento de um estado social, mais desenvolvido na Europa, quiçá devido aos efeitos da guerra no seu território na mentalidade das pessoas (coisa a que os americanos escaparam). Logo aqui se vê como as palavras decorrem de tradições de vida e luta e significam emocional e, portanto, substantivamente, coisas diferentes em continentes também eles diferentes, embora partilhem da mesma cultura e da mesma língua (na medida em que o inglês se tornou a língua franca).

Descreveu o século XX como "feliz", embora cheio de injustiças e violência e discriminações. Para os sociólogos, o século XX (ou melhor, a parte memorável do século XX, a sua segunda parte) foi o tempo da afirmação da profissão, da ciência, da entrada em força da sociologia e de outras ciências sociais nas universidades. Um tempo de irrequietude, crescimento e sociabilidades positivas. Ao contrário do tempo da austeridade pensada para diminuir ou destruir os serviços sociais, que se afirma de forma evidente e ineludível no século XXI. Este alto e baixo das profissões sociais corresponde à substituição de uma sociedade inclusiva, em que os trabalhadores eram precisos e chamados para trabalhar, quando o pleno emprego era um objectivo político de primeira linha, por uma sociedade de exclusão; na verdade, diz Sassen, de expulsão. Ora a sociedade, no sentido da partilha de direitos nacionais entre trabalhadores, manuais e de escritório, e a classe média, todos afluentes, espartilha-se, estilhaça-se e parece não ser possível manter a precariedade, a instabilidade, a falta de esperança e expectativas durante muito mais tempo. Uma sociedade está a terminar o seu ciclo de vida. Outro tipo de sociedade estará a emergir, mas ainda não se vislumbra o que será.

Eventualmente está escondida por detrás das nuvens ideologógicas dos que anunciam soluções imediatas, sejam expulsando os imigrantes em vez dos povos, ou que requerem a continuação das políticas keynesianas, pensando que as mesmas causas políticas geram os mesmos efeitos sociais, qualquer que sejam as circunstâncias da evolução da espécie humana e da sua economia.

Novos polos de poder global se agitam, sobretudo em torno de estados fortes. Mas também se sabe que a intervenção política das populações pode desequilibrar as balanças e decidir caminhos imprevistos e de surpresa. A história ainda conta.      

 5 Novembro

Proposta de método de avaliação

Dado todos os estudantes estarem adaptados à participação no trabalho em grupo NING, é tempo de fixar algumas regras de avaliação. Estas regras serão tratadas e eventualmente alteradas na próxima aula.

A peça maior da avaliação (50% do valor da avaliação) será um trabalho individual entre 2 mil e 2,5 mil palavras (ou de cerca de 5 mil palavras para grupos) a entregar até dia  5 de janeiro. Esse trabalho deverá fazer uma síntese das lições aprendidas durante a cadeira, pela leitura dos blogs, pela participação nas respostas em grupo e pelas leituras. A referência e a avaliação de artigos referentes a temas da cadeira que demonstrem que foram lidos será alvo de valorização especial.

O texto do blog vale 20%. Cada participação nas 3 respostas de grupo valerá 6,6%. Cada reacção escrita a blogs de colegas vale 3,3%, até 3 respostas.

A relevância epistémica da análise multinível

A globalização mobiliza juízos morais polarizados. Há quem diga que é uma coisa boa porque é a expansão natural do capitalismo que, longe de ser perfeito, é o que nos tem tirado da pobreza endémica em que se vivia há duzentos anos. Há quem diga que é uma coisa má, porque aumenta as desigualdades entre os que ficam tão pobres ou mais do que anteriormente estavam os camponeses e nómadas para que alguns muito poucos acumulem riquezas que não faz sentido serem possuídas, em vez de distribuídas.

Estes tipos de raciocínio só aparentemente são polarizados. Na verdade eles estão de acordo em tomar o dinheiro como o equivalente universal. Estão de acordo em minimizar o problema central do nosso tempo que é como organizar a sobrevivência de um meio ambiente compatível com as necessidades existenciais da espécie humana.

A substituição das preocupações de adaptação ambiental - que ocuparam a humanidade desde sempre - por preocupações de tipo virtual (os mercados, a acumulação de moeda de troca, independentemente das trocas efectivamente ralizadas ou realizáveis) tornaram a espécie numa infecção, numa praga, em risco de alterar os parametros ambientais nos quais a humanidade tem oportunidade de se adaptar biologicamente.

Tomar consciência do que é a moeda (David Greaber, The Debt): um mero fetiche tomado como Deux ex-machina; Tomar a especie humana, em vez da modernidade, como objecto de estudos sociais; são medidas epistémicas que nos podem ajudar a compreender as vantagens e os riscos da globalização.

Transformar em realidade o sonho de passarmos a ser efectivamente todos iguais, como em certo sentido já quase que somos em termos doutrinários, do direito mais difundido e valorizado, pode ser realizado por tecnologias de informação e transporte que hoje temos a funcionar. Mas, ao mesmo tempo, essas tecnologias e práticas são restritas - a maioria da humanidade não lhes tem acesso. E a sua produção é feita à custa da exploração da natureza e de povos e de pessoas.

O maior risco é o de socumbirmos como espécie na altura em que estamos mais próximo da justiça radical: sermos todos iguais perante o apocalipse ambiental.

Para sair do dilema pode ser necessário abandonar ideias preversas, como as de que a Terra está à nossa disposição para ser explorada, esventrada, manipulada, incluindo a sua flora, fauna e parte da humanidade que seja considerada "recursos humanos". Para o que é indispensável compreender e tomar em conta a relação íntima que se estabelece, na prática, entre aquilo que se diz, faz e é. Entre o idealismo formal e doutrinário, o realismo prático e tecnológico e a ontologia ecológica e institucionalizada. Entre os nível mais espirituais e etéreos, os níveis mais materiais e contigentes e os níveis sociais de hábitos e mimese.      

 

29 Outubro

Desenvolvimento e Globalização

A desigualdade do desenvolvimento dos diferentes países do mundo faz com que, realisticamente, se considere haver 3, 4 mundos - os países da órbita dos EUA, da órbita da União Soviética, os outros, de entre os quais os com grandes dificuldades de acesso a recursos básicos - versão Guerra Fria; os países mais industrializados do Norte; os paises menos industrailziados do Sul e os paises semi-periféricos - segundo Walerstein. No quadro de um mundo unipolar, depois da implosão da União Soviética, a ideia de desenvolvimento a duas velocidades torna-se uma referência, sobretudo no interior das novas regiões continentais que se estão a criar, como a UE, mas também na América Latina e como já era nos EUA. Estados beneficiários do desenvolvimento e estados falidos, ajudados pelos seus parceiros, escondem a metropolinização da vida actual. Dentro das metrópoles e dos estados mais ricos as desigualdades sociais e de rendimento são muito grandes e a qualidade de vida pode não ser tão boa como em estados mais pobres.

A globalização deve beneficiar a todos, segundo a lógica do jogo de soma positiva. Na realidade não é certo que assim esteja a acontecer.

Políticamente, um período centrado em políticas de desenvolvimento, de investimentos do Norte no Sul (anteriormente colónias do Norte) para o industrializar (de onde as deslocalizações), foi substituído por um período de globalização. O mundo inteiro passava a ser igual para o capital e para o investimento, sem barreiras alfandegárias se possível. Os estados não deveriam ser a sede de investimentos sociais mas de criação de infraestruturas para permitir a liberdade de negócios e de circulação financeira. O aumento dos rendimentos tornaria obsoletas as preocupações sociais, cujo custo se torna entretanto impagável, dadas as condições demográficas e de redução de necessidade de trabalho não qualificado, substituído por máquinas. Menos trabalhadores vão deixar de poder pagar mais pessoas inativas. A solução é aumentar fortemente os rendimentos de todos os activos e reduzir as despesas dos inactivos.

 

Desenvolvimento e globalização podem ser observados segundo o mesmo género de olhares que foram usados para pensar a Justiça Social e os Direitos Humanos nas aulas anteriores:
 

Justiça social

Direitos humanos

Dimensões sociais

Favorecimento do desenvolvimento darwiniano

Realismo (pela força)

Fazer

Ideologia (separar desejos de realidades)

Idealismo (pelos desejos)

Dizer

Institucionalismo (construtivismo social)

Institucionalismo (dinâmicas socio-organizacionais)

Ser

A criação de oportunidades para os mais adaptados (desenvolvidos e poderosos) é a melhor possibilidade para realizar o potencial da humanidade, embora nem todas as pessoas possam acompanhar e beneficiar disso. Esta é a versão realista.

Na versão idealista, os bons sentimentos manifestados regularmente pelas pessoas, organizadas ou não, acabam por ter o efeito da água mole em pedra dura.

A versão institucional integra ambas as perspectivas num quadro de existência referente a diferentes níveis de realidade: a material, a espiritual e a institucional. 

 

15 Outubro

A Eficácia dos Direitos Humanos

 

Foram revistas as formas de colaboração com os grupos internacionais e os trabalhos que se espera de cada estudante.

 

Andrew Moravcsik, 2000. “The Origins of Human Rights Regimes” International Organization, 54, 2: 217-252.

Depois de uma breve discussão sobre os diferentes sentidos atribuíveis à justiça social, rememorando, a) a versão apresentada pelos colegas norte-americanos fixada no texto de Novak, que trata de assegurar a liberdade dos melhores entre os seres humanos de se realizarem e, com eles, abrir novas perspectivas à humanidade; b) a versão apresentada por um colega chinês sobre os objectivos de justiça igualitária a longo prazo e o trabalho económico (capitalista) a curto prazo; c) a versão trazida pelo prof. Pierre Guibentif, de garantias de direitos de denunciar e combater as injustiças asseguradas institucionalmente, para além dos períodos de mobilização.

Estamos agora na fase de discutir o que são, ou como diferentes pessoas entender que são os direitos humanos. Moravcsik é autor de um texto proposto também pelos nossos colegas norte-americanos e que se questiona a) qual a eficácia da declaração universal dos direitos humanos; b) que explicações existem para essa eficácia.

Primeiro, a eficácia dos direitos humanos, de discursos ideológicos contrafactuais (se fossem factuais não acrescentariam nada, não seriam expressões de esperança), a eficácia do que se diz, geralmente contraditória com aquilo que se faz, é tantas vezes negada pelas pessoas: “isso é só conversa”, costuma dizer-se. Porém, no caso dos direitos humanos (como no caso do comunismo, assunto que foi trazido à baila por um estudante) houve e há instituições que concretizam – de forma controversa – aquilo que é o sentido geral do consenso possível sobre a doutrina/ideologia dos direitos humanos. Além da conversa, existem lugares particulares – Moravcsik destaca os tribunais europeu e sul-americano dos direitos humanos – onde todas as conversas e decisões se desenrolam na apreciação do respeito das práticas pela doutrina.

Existem, diz o autor, 3 modos principais de explicar a eficácia dos direitos humanos, desde a sua aprovação na ONU – um dos primeiros documentos aprovados – e a organização de tribunais e comissões de vária espécie, que custam dinheiro e trabalho, muito dinheiro e muito trabalho: a) as teorias realistas: sintecticamente, tendo os EUA saído vencedores das Guerras Mundiais que destruíram os impérios europeus e a Europa – e deixaram a URSS exangue de milhões de mortes – beneficiou da iniciativa diplomática de instalar a ONU em NY e financiá-la para, a partir daí, também, dominar o mundo pela força da sua hegemonia. Na verdade, os direitos humanos ainda hoje são utilizados (mas menos do que no século passado) como uma dádiva do ocidente (EUA e seus aliados na Europa) ao mundo “em vias de desenvolvimento”, isto é, em vias de ser dominado pelos modos de vida ocidentais; b) as teorias idealistas reconhecem o valor proactivo, mobilizador, transformador, das ideologias e das doutrinas. Para esses, dizer direito, anunciar os modos como as sociedades se devem comportar, como evitar a guerra e respeitar todos os seres humanos, incluir os excluídos, educar todas crianças e jovens, condenar a tortura e os maus usos dos sistemas judiciais e policiais, o facto de se dizer (e de admitir que se pode e deve dizer) tem efeitos por si só. Nomeadamente porque isso afecta e orienta os dirigentes do mundo; c) uma terceira perspectiva, a institucionalista, a mais simpática ao autor, parece-lhe mais capaz de explicar o que efectivamente se passou e passa. O esforço de criar instituições, tribunais e comissões, em certa altura história, tem virtualidades. Uma vez postas em marcha, é difícil pará-las. Quando uma declaração é aprovada na ONU isso significa que passa a ser possível instituir (na ONU e fora dela) práticas de homenagem e respeito aos princípios consagrados. E isso tem efeitos. Por exemplo: no Departamento de Estado norte-americano todos os anos continuam a sair relatórios sobre o respeito de todos os estados do mundo pelos direitos humanos, embora não seja feita nenhuma referência à situação nos EUA e nesse país a tortura se ter banalizado (em Guatanamo, em Abu Grahib e também nas prisões e nas ruas norte-americanas, como mostram espetáculos como “Cops” que passa nos canais portugueses). Ficou a intenção de endoutrinar o mundo, mesmo quando os EUA abandonaram definitivamente o respeito pela doutrina.        

8 Outubro

Justiça Social e Justiça

 

A justiça nos tribunais trata de casos circunscritos e, geralmente, de pessoas e relações pessoais. A justiça social tem uma relação com a justiça dos tribunais (John Rawls). Mas as últimas evoluções das práticas judiciais parecem retornar a formas de discriminação (Jakobs e Mélia; José Preto).

 

No caso da corrupção, por exemplo, (como dos direitos humanos) a antiga noção de haver um estado de aquisição nos paises mais desenvolvidos que bastaria espalhar pelo mundo (no tempo colonial) foi substituiída por uma noção mais abrangente de mesmo (ou sobretudo) os países mais desenvolvidos serem responsáveis pelas violações (da dignidade e respeitabilidade das pessoas bem como da fiabilidade do direito e da vigencia das leis).

 

As lutas contra a corrupção e pelos direitos humanos (pela interpretação justa do sentido útil das teorias e das trocas de colaboração, para fins pessoais e, ao mesmo tempo, sociais) são lutas muitas vezes pessoais. Mas são apenas lutas pessoais? As lutas por formas de organização e por liberdade de acção (económica, política, social, cultural) são lutas pessoais ou terão também impactos, relevância e utilidade social?

 

Como distinguir a actividade pessoal e individual da actividade de grupo e social? Qual delas é mais relevante para a concretização das liberdade, igualdade, fraternidade das relações sociais modernas?

 

(estudo de casos: prateleiras; arbitrariedade organizacional; prioridade à administração relativamente ao direito; interpretações a contrario de normas estabelecidas; ausência de cultura juridica e de acções de defesa dos direitos)    

 

1 Outubro

Justiça Social (quase) comparada

Onde há melhor justiça social? Na China, nos EUA, na Europa?

O que vale aquilo que cada estado diz sobre a justiça social no seu próprio território? Ou no dos outros?

Chomsky é um crítico norte-americano dos discursos oficiais e mediáticos sobre a superioridade da vida norte-americana sobre a vida noutras partes do mundo e também da influência negativa (nomeadamente bélica) que as actividades de agentes dos EUA têm em muitas partes do mundo.

Pode haver (ou há) um mundo virtual, da linguagem, da propaganda, da identidade social (nós, necessariamente moralmente bons, e os outros) que tem influência na mentalidade, nas crenças e nas acções individuais, através de incorporação? Haverá formas de escapar a essa influência – poderá haver formas de corporização com capacidade de influenciar o social?

Por exemplo: quando se diz que “as mulheres são usadas pelos homens para fins de reprodução da espécie”, esta frase é uma frase feminista (de denúncia da opressão) ou uma frase machistas (de declarar funções sociais para os sexos e legitimar a discriminação)? Ou é uma simples descrição da realidade mais comum, de que são excepção alguns modelos de vida ocidental actual?

Qual a relação entre os discursos e os mundos virtuais (desenvolvidos sobretudo no século XX, através da industrialização da produção de livros e outros meios de divulgação de mensagens, e no século XXI com a internet) e a vida social? Qual a relação entre aquilo que se diz sobre a justiça social e a justiça social vivida efectivamente pelas pessoas? Porque e como ficamos hipnotizados e/ou alienados com exercícios de uso da linguagem?  

“competência do falante. Ele define competência como capacidade inata que o indivíduo tem de produzir, compreender e de reconhecer a estrutura de todas as frases de sua língua.” http://palavrasintrepidas.blogspot.pt/2011/03/noam-chomsky.html

A tese de Chomsky é de a linguagem ser um equipamento inato nos seres humanos permitindo que regras simples e universais sejam traduzidas em gramáticas generativas, isto é, tal como acontece com os fractais, padrões semelhantes são reproduzidos ao infinito em todas as dimensões e direcções. É, portanto, através do corpo que as mensagens chegam do mundo social e virtual para nos influenciar (eficácia da propaganda e do ensino) sendo a inovação e a acção individual livre um processo que não está tão bem explicado a partir desta teorização.

 A teoria social e as ciências sociais, argumentou o professor, podem estar actualmente situadas num limbo, espécie de purgatório, paradas no processo iniciado pelo positivismo de transformar a filosofia social numa ciência integrada no concerto de todas as ciências. O isolamento das ciências sociais das restantes ciências deixa-as à mercê de comentários negativos – geralmente alegando ou tendências ideológicas antiquadas (como a defesa do estado social) ou inutilidade prática, nomeadamente ao nível da empregabilidade. Ora, o programa de retomar o caminho para que as ciências sociais se tornem uma ciência como as outras poderia beneficiar desta sugestão de Chomsky, de ligar a biologia (o estudo do corpo humano) e as ciências sociais (os saberes sobre a influência do mundo virtual na vida das pessoas, através da incorporação; e também, de preferência, como as pessoas podem corporizar, isto libertar-se das influências sociais e transformá-las em coisas melhores).

Do colega chinês – texto analisado na última aula com origem no blog – ficámos a saber como embora a prioridade política actual seja a economia (o crescimento económico) o objectivo que se pretende atingir é a igualdade e a justiça para todos. No texto de Novak, que serve de apresentação da noção de justiça social – disponível online na bibliografia – escolhido pelos professores norte-americanos, o significado da expressão é o de facilitar a afirmação do predomínio dos melhores, para quem não deve haver obstáculos à realização pessoal, pois serão esses casos singulares e raros que permitirão a humanidade elevar-se a patamares de desenvolvimento, através dos efeitos de demonstração que essas vidas suscitam noutras pessoas, igualmente melhores. Claro que não se fala muito do que acontece à maioria, às pessoas que não são melhores. Mas presume-se que deve deixar-se-las viver, desde que não interfiram ou dificultem a elevação das pessoas melhores a exemplos heroicos do que a humanidade é capaz de fazer. Por fim, a tese institucionalista, mais corrente junto dos defensores do estado social ou estado tipo europeu, pressupõe uma definição pragmática e social do que seja a justiça social (a capacidade e disponibilidade para lutar contra as injustiças): trata-se de admitir e trabalhar as mais eficazes soluções institucionais para solucionar problemas de injustiça trazidos a lume. Ler  España y su Futuro, RobertoMangabeira Unger, para uma versão experimentalista e muito actual de justiça social institucionalista.

 

22 Setembro

Organização do Curso

 Lista de tópicos a estudar

Prazos a cumprir

Exemplo de bom trabalho final

Apresentação dos alunos, do docente e da organização da cadeira, em termos de relação como outros cursos noutros países, através da plataforma NING.
Explicação dos dois regimes de trabalho: a) através de blogs, em trabalhos individuais e de grupo no NING; b) através da organização de um projecto de intervenção, com base em dados e perspectivas críticas de umn qualquer tipo de trabalho social à escolha do estudante.
Apresentação de uma discussão sobre justiça social exposta no NING, a partir da tradução para inglês de noções chinesas trazidas por um colega chinês.

Definições de Justiça Social

Há várias concepções do que seja justiça social. Tomemos três delas: uma versão igualitária, uma versão liberal, uma versão institucional (em francês). A primeira mais prestigiada na China, a segunda nos EUA e a terceira na Europa. O que tem a ver com as respectivas histórias e, ao mesmo tempo, sinalizam não as realidades vividas no país mas o centro ideológico arquivado pelo senso comum dos povos e debatido pelos políticos e intelectuais, para os fazer escorregar para posições mais justas.

De uma forma mais geral e objectiva, pode dizer-se que a justiça social é o que aqueles que lutam contra as injustiças desejam, nas suas circunstâncias concretas. Dessa forma podemos considerar, ao mesmo tempo, os padrões culturais definidos sobre o que possa ser a justiça social, a factualidade que frustra essa aspiração, os sentimentos que as contradições provocam, a repressão desses sentimentos por parte da cultura e das instituições, a organização de lutas pela justiça social, as diferentes perspectivas transformadoras – reformistas, revolucionárias, tecnológicas, civilizacionais – proclamadas por minorias, candidatos a constituírem sujeitos históricos.

Há, nesta definição, a necessidade de localizar espaço-tempo-energias sociais.   

 


Semestre de inverno 2013


Avaliacão do curso

18 Dec

Avaliação e fecho

11 Dec

Direitos Socioeconómicos e culturais, direitos dos trabalhadores e direitos naturais

Apresentação das quatro gerações de direitos humanos e uma breve discussão do balanço e actividade de cada uma. Direitos cívicos e políticos que já integraram mulheres e jovens mas mantém espaços de exclusão para presos e imigrantes; direitos socioeconómicos dependentes do Estado Social, actualmente em recuo ou reformulação; direitos culturais emergentes, por exemplo através do ensino de línguas minoritárias, do seu reconhecimento para uso em actos oficiais, o reconhecimento do valor cultural das criações e tradições de povos vítimas de genocídio. Finalmente, de modo ainda puramente abstracto, a declaração dos direitos da natureza como simbiose de diversidades entre as quais a existência da espécie humana sem nenhum lugar privilegiado.

As conquistas políticas dos povos primeiros andinos no Equador e na Bolívia, a respeito do reconhecimento constitucional dos direitos da natureza, é um desenvolvimento de direitos culturais que fazem emergir a quarta geração de direitos e podem, eventualmente, inspirar as civilizações dominantes a encontrar novas formas de entender o  mundo mais ecologicamente adequadas.

Na verdade, entendidos na sua completude e plena eficácia, os direitos humanos compreendem todas as quatro dimensões ao mesmo tempo. Na prática, porém, pelo facto de haver muitas resistências à sua aplicação, sente-se a necessidade de desenvolvimentos mais específicos de direitos cada vez mais complexos e extensos. O que contrasta com a abordagem da especialização que procede separando em bocados pequenos tudo quanto possa ser separando, simplificando pensamentos e actos mas, em contrapartida, perdendo a perspectiva do sentido da acção – a alienação.

Foi apresentado e discutido o estado do trabalho de grupo de alimentação reciclada para famílias necessitadas em Lisboa.    

4 Dec

Direitos humanos de mulheres e crianças

Direitos Humanos é uma instituição. Tem uma história constituída por ideias, como a igualdade de todos os homens aos olhos de Deus, o direito natural, a constituição norte-americana, a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa. Tem também uma história da instituição actualmente em vigor, isto é, a história da formalização e fixação de um quadro normativo a respeito do que sejam os direitos humanos, que decorre directamente da reacção política ocidental às brutalidades da segunda grande guerra mundial – da repetição da guerra pela hegemonia imperialista, da industrialização da guerra, do terror face a bomba atómica, do suicídio político e social das potenciais capitalista europeias –, do sucesso da institucionalização da ONU – e do seu Conselho de Segurança – como instância diplomática de pacificação das relações internacionais, em particular entre os países mais desenvolvidos.

Foi uma mulher, Helena Roosevelt, mulher do presidente norte-americano nessa época, quem dirigiu à Assembleia das Nações Unidas a proposta e aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1946, acompanhada por uma organização específica – a Comissão dos Direitos Humanos – cuja aprovação significou o estabelecimento de um conjunto de normas orientadoras da acção política a serem interpretadas pelos actores sociais e, com poderes especiais e normativos, pelos tribunais, em particular os tribunais dos direitos humanos, como os estabelecidos na Europa e na América Latina, tendo o Conselho da Europa e a União Europeia adoptado a resolução de obrigatoriedade dos estados membros de declararem ser respeitadores desses direitos humanos, sujeitando-se formalmente à disciplina interpretativa dos vários normativos da Declaração Universal dos Direitos Humanos apresentada pela jurisprudência dos tribunais internacionais especializados e da Comissão dos Direitos Humanos da ONU.

Instituição, portanto, refere-se ao facto de se acordar formalmente a fixação de um certo princípio, ou conjunto de princípios, como tendo aplicação num território determinado, a populações determinas. A instituição requer, sem se confundir com, uma organização capaz de oferecer um modo social de lembrar, dirimir, aplicar, impor a vigência da instituição. Isto é, a norma legal não conforma a realidade social a não ser na medida em que se constituiu em espaço de luta social especializado em transformar normas virtuais – escritas e formalmente reconhecidas e ratificadas – em obrigações legais e, por essa via, em práticas concretas de imposição de comportamentos tidos por adequados em cada momento. (Por exemplo, a pena de morte continua a ser um comportamento de alguns Estados considerado conforme os normativos dos direitos humanos, embora seja grande a contestação a uma tal interpretação, todavia em vigor).

Os cidadãos podem recorrer aos tribunais para verem ressarcidos danos causados pela falta de respeitos das leis em vigor. Mas o facto dos cidadãos o fazerem, significa que terão sido vítimas da falta de respeito social dos direitos consignados – por parte de outros cidadãos, por parte de empresas ou por parte do Estado. E das consequências de tal vitimação pode tornar-se difícil ou impossível qualquer reposição prática. A não ser o reconhecimento da injustiça – o que é muito importante. Para se poder confirmar, se sim ou não, tiveram os respectivos direitos violados, há a disciplina jurídica, i.e a tradução em palavras, no teatro judicial, segundo a disciplina intelectual que traduz factos empíricos particulares em violações a normas abstractas e universais. Disciplina que estuda normativos, suas aplicações práticas em sociedade, na actualidade como no passado, interpretações em vigor e em desuso ou emergência, processos de condução dos litígios judiciais dentro das organizações apropriadas, modos de fazer vingar os interesses dos seus constituintes dentro e fora dos tribunais.

As instituições do direito moderno têm valor universal, no seu âmbito de aplicação, aplicam-se a toda a gente. Embora na prática as organizações criadas para fazer vingar essas instituições imponham, independentemente da vontade de quem lá mande, limites práticos, desde logo pelos custos associados em tempo, dinheiro, conhecimentos, para fazer accionar os processos e também pelos custos da luta jurídica contra adversários mais ou menos poderosos, em termos emocionais e sociais envolvidos em todas as disputas de poder. Há, pois, que distinguir, entre o mundo virtual, em que os direitos humanos são abstractamente reconhecidos, e o mundo prático, em que os direitos humanos são obstaculizados pela exploração, pela dominação, pelo patriarcalismo, pela discriminação, pelos abusos de poder, pelos processos de vitimação, pela falta de informação e cultura, em especial jurídicas. Em particular, a ideia reificada de lei – como a dos direitos humanos – como alguma coisa que automática e directamente entra em vigor na vida prática, obscurece a realidade de a lei ser apenas (o que é já bastante, mas não é tudo) um instrumento de luta e de angariação de apoios e aliados para lutas sociais a serem desenvolvidas por pessoas, grupos, organizações, estados, que sentem haver injustiças concretas. Podem fazê-lo através da reivindicação devidamente alegada de direitos em tribunais ou no espaço público/político.

A existência de direitos humanos especiais para mulheres (Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, 1979) e para crianças (Convenção sobre os direitos das crianças, 1989) foi resultado do reconhecimento formal da exclusão desses grupos de pessoas de referências importantes e especiais na declaração universal dos direitos humanos, afinal demasiado próximas da noção de direitos dos homens. E foi, também, resultado das lutas feministas para obterem instrumentos legais onde apoiarem as respectivas lutas (com consequências nomeadamente na perseguição policial e política de abusadores sexuais, cujas práticas estão a ser avaliadas nas últimas décadas).

6 Nov

Direitos humanos - introdução

Nov. 6 -   Project design complete by the group -- at this point, everything should be prepared for realizing the project, i.e., the  overall structure will be drafted, literature (al least preliminary)   will be found, locations and concrete partners will be identified,   etc. This marks the start of the fieldwork or research by students, if not already so.

 Nov 13- Intermediate report on the project

Em complemento ao tema “invisibilidades, vulnerabilidades”, breve introdução às actividades da Organização Internacional do Trabalho.

A OIT foi criada depois da I Guerra Mundial, considerando-se que a justiça social era condição da paz entre os Estados. Difere de outras organizações internacional por funcionar não apenas como instância intergovernamental, mas de maneira tripartita, isto é: todos os Estados membros são representados pelos seus governos, pelos sindicatos e pelas associações patronais. A principal actividade da OIT consiste na elaboração de convenções internacionais em matéria laboral, na promoção destas convenções na perspectiva da sua ratificação pelos Estados membros, e na monitorização da sua aplicação. A missão da OIT é actualmente definida por quatro documentos, que correspondem a quatro momentos importantes no desenvolvimento da organização: a sua Constituição, de 1919; a Declaração de Filadélfia, de 1944, adoptada no fim da II Guerra Mundial, que realça a importância dos direitos das pessoas à liberdade e à dignidade (sobre esta, ver em particular Alain Supiot, L’esprit de Philadelphie, Paris, Seuil, 2010; Alain Supiot assume actualmente, no Collège de France, a cátedra de “État social et mondialisation: analyse juridique des solidarités“); a Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, de 1998 (de alguma forma uma resposta à criação da Organização Mundial do Comércio, em 1995), que compromete os Estados membros em promover estes direitos independentemente das convenções que ratificaram; a Declaração sobre a jusiça social para uma globalização justa, de 2008.

Uma das prioridades políticas da OIT nestes últimos anos tem sido de estender a sua acção até aos sectores laborais menos formalizados e menos organizados. Uma manifestação deste esforço é a recente adopção, na 100ª Conferência Internacional do Trabalho (o “parlamento” da Organização), em 2012, de uma convenção sobre o trabalho doméstico. Uma documentação acessível em linha sobre o processo de preparação desta convenção pode dar uma ideia concreta do modo de acção da OIT. Este processo estimulou intervenções de vários actores – ONGs, centros de investigação – que procuram obter a ratificação da convenção pelos órgãos de soberania do seu país. Ver aliás uma iniciativa neste sentido recentemente organizada no próprio ISCTE-IUL.

A análise das actividades da OIT na actualidade revela um hiato persistente entre duas realidades. Por um lado, temos o direito internacional, que se concretiza numa normatividade cada vez mais densa, e em mecanismos cada vez mais elaborados de controlo da aplicação destas normas, e que é debatido por um universo heterogéneo de profissionais especializados: oficiais, activistas, universitários, etc. Por outro lado, temos práticas de Estados, empresas e outras organizações que ignoram este direito, ou conseguem reinterpretá-lo e mobilizá-lo em seu benefício, tolerando ou promovendo práticas de exploração extrema ou de tráfico de pessoas.

Em relação ao tema do tráfico de pessoas, discussão sobre os meios utilizados para, alegadamente, lutar contra práticas deste tipo; meios que, muitas vezes, abrem espaços de arbitrariedade às autoridades, e que favorecem operações de controlo e repressão que podem prejudicar a generalidade dos cidadãos.

Na investigação sobre o trabalho doméstico que nos deu a oportunidade de acompanhar o processo de elaboração da convenção acima referida, uma referência importante foi Axel Honneth. Este autor desenvolveu uma teoria do reconhecimento que esteve na origem de uma das mais importantes discussões sobre a justiça social travada recentemente no plano internacional: ver Nancy Fraser / Axel Honneth, Redistribution and Recognition, Londres, Verso, 2003.

Apresentação sumária da teoria de Axel Honneth. Duas etapas principais. Primeiro ensaio, fundamentalmente de teoria da sociedade (procurando responder à pergunta: como evolui a sociedade?), A luta pela reconhecimento (1992). Inspirado em Hegel, Honneth sustenta que as reivindicações de reconhecimento se manifestaram em três esferas distintas: o amor (onde uma pessoa pode ser reconhecida como tendo determinadas necessidades); o direito (onde uma pessoa pode ser reconhecida como tendo um estatuto igual a outras pessoas); a solidariedade (a divisão do trabalho social, onde uma pessoa é reconhecida pela sua contribuição específica à actividade colectiva). Segundo ensaio, mais de filosofia política (procurando responder à pergunta: como deveria ser concebida uma sociedade justa?), O direito da liberdade. Toma como ponto de partida a noção de liberdade, considerando o consenso que se estabeleceu nestes últimos anos à volta deste valor. As perguntas, nessa base, são: em que consiste à liberdade? como poderá ser garantida? Podem distinguir-se três noções de liberdade: a liberdade como ausência de constrangimento (liberdade negativa / jurídica); a liberdade de agir segundo uma vontade própria (liberdade reflexiva); a liberdade de poder agir numa colectividade, o que requer entendimentos e práticas de coordenação entre as acções de uns e outros (liberdade social). Enquanto as duas primeiras são condições de possibilidade de uma plena liberdade, a terceira é condição da sua concretização. Na medida em que existe na actualidade, é porque se desenvolveu concretamente, através de lutas, em três sistemas de acção: a intimidade (lutas das mulheres, dos mais novos, dos mais velhos, pela liberdade de orientação sexual, etc.); a actividade económica (lutas dos trabalhadores); os processos de formação democrática de vontade politica, sendo que neste domínio se lutou pela consagração, através da confrontação de actores políticos e de pessoas enquanto cidadãos, dos direitos conquistados nos outros sistemas de acção. – Um problema na actualidade é que já nos é difícil experienciar confrontações efectivas de projectos individuais e societais na perspectiva do seu reconhecimento político efectivo, porque as decisões são tomadas em crescente medida fora do alcance directo dos debates políticos nacionais. Segundo Honneth, seria indispensável formarem-se espaços públicos supra-nacionais para voltarmos a este tipo de experiência da liberdade social. 

30 Oct

Vulnerabilidades, Discriminações, Invisibilidade

A organização dos Estados, ao limitar um interior e um exterior, determina ao mesmo tempo conhecimentos e desconhecimentos produzidos pelos media e pela ciência social. Caso disso são os fluxos de imigração, que atravessam grandes distâncias, como por exemplo a entre o Afeganistão e a Inglaterra, oriundos entre o magma social em crise por via da guerra imperialista. Entre os mais jovens afegãos e aqueles que tenham recursos (financeiros e logísticos, como, por exemplo, algum familiar ou amigo a viver num país ocidental) pode gerar-se uma esperança de vida melhor nos países agressores do seu próprio país. O que, uma vez concretizada a imigração – para além dos que ficam pelo caminho e dos que nunca chegam a partir ou o fazem noutras direcções – pode bem ficar uma mágoa existencial, nem sequer consciente, e que poderá estar na raiz de actos de terrorismo internacional praticados por jovens bem-sucedidos nas sociedades ocidentais mas que se dispõe a morrerem como mártires em guerras santas.

http://societieswithoutborders.com/2010/01/21/human-rights-across-national-borders/

Divididos em stocks e avaliados os fluxos de stocks de imigrantes registados em cada país, os imigrantes tornam-se clandestinos não apenas por razões jurídicas – de criminalização das pessoas com processos administrativos de identificação não regularizados – mas também por os Estados encobrirem (por razões de discriminação política e de limitações cognitivas) as respectivas responsabilidades para com os nómadas, sejam eles por opção cultural ou por necessidades económicas.

O que nos remete à discussão sobre a qualidade e os limites da teoria social actualmente dominante, em particular a banalização acrítica das dimensões analíticas mais utilizadas, de inspiração weberiana e de concretização estrutural funcionalista (política, economia, prestígio e cultura). Autores como Giddens contestaram esse preconceito, em 1985, arguindo a necessidade de actualização das dimensões sociais mais utilizadas pelos sociólogos para passarem a ter em conta os conflitos ao tempo, e os movimentos sociais que os alimentavam, a saber: o capitalismo e os movimentos de trabalhadores, o industrialismo e os movimentos ecologistas, a guerra e os movimentos pacifistas, o controlo social e os movimentos de direitos humanos. Faltou, confessou em nota de pé de página, considerar os movimentos feministas. Revelando, desse modo, uma lacuna da velha e da nova teoria sobre o que sejam as dimensões sociais mais importantes.

Na verdade, para além do lugar das mulheres, há outros temas arredados das preocupações dos sociólogos, tomados como conjunto – evidentemente, será sempre possível (esse é um mérito do nosso campo de actividade) encontrar autores, sobretudo bons autores, que trataram de abrir portas à teoria social (como foi o caso de Giddens, embora ninguém, nem o próprio, a tenha empurrado com força suficiente. Hoje a sua proposta é apenas museológica). A violência, a face, as minorias (nómadas, étnicas, etárias, de género, asilados, exilados, povos primeiros, etc.) são apenas alguns exemplos do que não tem sido possível considerar no centro das teorias sociais dominantes. Apenas tratados, nos casos em que o são, em subdisciplinas quase sempre fechadas sobre si mesmas.

Eventualmente serão integráveis na perspectiva avançada por Goran Therborn de considerar 3 dimensões sociais: recursos, existência e vitalidade. De que a primeira é geralmente tratada em sociologia, mas na ausência das outras fica limitada e enviesada. Caso a sua proposta não caem em saco roto, como aconteceu à de Giddens.

23 Oct

Estado Nação, Estado Social ‑ Fronteiras, Migrações

O texto “Defining Social Justice” de Michael Novak foi alvo da atenção crítica do Prof. Pierre Guibentif que chamou a atenção para o desequilíbrio da definição – inspirada em Hayek, filósofo inspirador do neoliberalismo. A virtude individual não é, para todos os autores, a pedra de toque da justiça social. Ao invés, a ponderada, prolongada e colectiva construção de instituições capazes de promover a justiça social nas sociedades modernas precisamente supera a necessidade de pessoas providenciais e qualidades raras pela solidariedade e cooperação e pacificação racionalmente organizadas.  

As condições do debate científico-político-ideológico na Europa e nos EUA, gerado pelos media, pelos embates eleitorais, pelos movimentos sociais, pela história e pelas necessidades especiais de integração social – por exemplo, na Europa a questão dos direitos civis dos negros não se coloca da mesma forma que nos EUA – são diferentes. A centralidade da irracionalidade fundamentalista cristã, representada politicamente no Tea Party, face à racionalidade institucionalista e à forte repressão dos activismos sociais – como dos Occupy – não se compara com o debate europeu entre pró-norte-americanos e pró-modelo-social-europeu. Pelo que, na interacção com os colegas norte-americanos deveremos estar atentos ao resultado prático de, de cada lado do Atlântico, estarmos banhados em ambientes distintos.

O grupo que está a desenvolver um projecto sobre a fuga dos sírios da sua terra em guerra civil (6 milhões dos quais 2,5 já saíram do país em 22 milhões de habitantes) e do papel da política europeia de repressão contra os imigrantes, fez a apresentação do estado do seu trabalho. Ao que se seguiu o debate sobre os caminhos a trilhar, para chegar ao melhor resultado final. 

16 Oct

Governança Global e Justiça Social 

A constituição de povos, nações e sociedade é uma das características históricas da era contemporânea a que os cientistas sociais chamam modernidade, cujo ocaso foi anunciado (quiçá prematuramente) através do acrescento do prefixo pós usado por vezes. Trata-se de noções polissémicas, com usos diferentes consoante os momentos históricos.

Povo estava para a aristocracia como a sociedade civil está para a classe dominante ou para os militares. É uma expressão negativa que significava tudo o resto de gente que não fosse a relevante para os negócios, para a política, para a igreja, para o comando militar ou outro centro de poder qualquer. Povo, durante a época das Revoluções Americana e Francesa, adquiriu nova dignidade, até hoje usada para passar a designar o soberano, isto é, a entidade em nome da qual se passa a argumentar e pensar a legitimidade da organização das desigualdades sociais politica e intencionalmente produzidas. Anteriormente o soberano era a divindade e os seus representantes terrenos.

Povo não significa democracia, no sentido da organização política. Significa aquilo que Tocqueville chamou “paixão democrática”, isto é, o estado social de grande agitação cujo objectivo final é a equalização da dignidade política e social entre todas as pessoas, independentemente do seu estatuto social.

Povo significa também desilusão, pois toda a revolução significa uma exaltação de valores e desejos utópicos que, por isso mesmo, acaba por não encontrar os meios de os realizar plenamente, ao mesmo tempo que a energia da paixão se esgota por vezes em práticas embaraçosas e bastante violentas. A sociologia nasce, com o positivismo, como forma de celebrar as vitórias civilizacionais, como hoje se diria, da revolução e, ao mesmo tempo, como uma forma de promover a organização integrada das diferentes forças e interesses em presença, eventualmente contraditórios entre si, como alegou Marx a respeito da burguesia e dos assalariados. A sociedade seria o resultado da pacificação do Povo, a sociabilidade e urbanidade trazida para consolidar as conquistas revolucionárias e organizar a melhor sociedade alguma vez vivida, como diria Pangloss, o optimista de Voltaire.

É neste quadro de dignificação das pessoas, que produziu as normas dos direitos humanos –a igualdade formal perante a lei –, que surge a noção de nação. História antropológica de um povo criado para efeitos de legitimação dos esforços de integração social sob a soberania de um Estado (Estado-nação), através da criação de infraestruturas sociais de transportes, de educação, de ideologias nacionalistas, de solidariedade, reforçadas ao longo do tempo, a somar as forças militares e policiais, aos meios de cobrança de impostos e aos sistemas de representação nacionais, onde se continuaram ainda hoje a admitir privilégios (no diplomatas, nos órgãos de soberania, para todos os efeitos equiparados aos velhos aristocratas com quem tiveram de organizar os assuntos internacionais), que iriam servir de base àquilo que hoje se chama comunidade internacional. Isto é, a associação de estados-nação que reagiram e se sobrepuseram, de forma eficaz, à organização internacional das aristocracias, dos meios intelectuais e científicos, de algumas profissões, dos movimentos de trabalhadores.

O internacionalismo proletário, portanto, aspirava à construção de um homem novo, isto é, a uma revolução completada no sentido da unidade de todos os trabalhadores contra o capitalismo e os privilégios, nomeadamente dos representantes do Estado. Porém, o que acabou por acontecer foi a constituição de sociedades nacionais – actualmente em vias de internacionalização regional, mas sob a batuta dos interesses financeiros – e a derrocada inesperada da URSS, ainda não digerida, como experiência de colocar o Estado ao serviço do projecto de internacionalização da igualdade entre os povos e as pessoas. O capitalismo sobreviveu sob o comando do Estado ou sob o comando de entidades não estatais. Os povos acabaram por desmantelar rapidamente os restos da antiga União Soviética. E a social-democracia, globalmente prestigiado modo de construção de sociedades prósperas e democráticas centrado na Europa Ocidental, queixa-se de falta de financiamentos. Ao mesmo tempo que a guerra e a tortura, ou a vulgar mentira ideologicamente jogada contra inimigos políticos, por exemplo, passaram a ocupar lugar de destaque na cena internacional, nomeadamente no conselho de segurança da ONU, conselho que continua a consagrar os privilégios das potências vencedoras da segunda grande guerra, que acabou há setenta anos.

 Tratamos de fenómenos históricos de grande complexidade, susceptíveis de interpretações muito diversas e contraditórias. Mas é neste período que se constituíram narrativas de progresso social (integração e bem estar) centradas na Europa (e nos EUA, sobretudo depois da 1945) alheadas do que se passou noutras partes do mundo, não apenas secundarizadas mas alienadas do pensamento sociológico. Com a descolonização, a partir dos anos sessenta, é que a organização estatal de tipo moderno – democracias populares e democracias burguesas, de facto geralmente ditaduras se quisermos ser justos relativamente à falta de integração social e de serviços sociais disponíveis – se multiplicou pelo mundo não ocidental, como facilmente se poderá observar pela inscrição de novos países membros da assembleia geral da ONU.  

2 Out

Os grupos que querem desenvolver trabalho em rede com outras universidades foram avisados do esgotamento do prazo para entrega de intenções – de acordo com as orientações prestadas nas aulas e por email. As negociações com outros grupos de outras universidades do tema em concreto começam para a próxima semana, com a atenção dos professores.

O resto do tempo foi usado para apresentar e discutir a noção de globalização e das possibilidades de a conceptualizar.

Há opiniões positivas e negativas sobre a globalização, que se podem representar num contínuo entre as posições estremadas. Para evitar ficarmos embrulhados nas nossas próprias opiniões, há várias estratégias que se podem organizar: desenvolver uma pesquisa histórica sobre o uso da expressão; identificar entidades sociais protagonistas no campo; procurar processos de causalidade associados.

Do ponto de vista histórico, a globalização emerge como termo na moda nos anos 90. Depois da implosão da URSS e da vitória da outra superpotência: os EUA. Depois da criação da Organização Mundial do Comércio (1994). Os anti-imperialistas colocaram-se em oposição à globalização. Em 2000, ao Fórum Económico Mundial de Davos, Suíça – que reúne protagonistas da globalização para conversas informais – contrapôs-se o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, Brasil – que reúne os movimentos anti e alter globalização (“outro mundo é possível”).

A ideia de governança global foi apresentada por Kant, no fim do século XVIII e concretizado um século depois na Liga das Nações, com objectivos pacifistas. A ONU nasce com o apoio dos EUA, sediada em Nova Iorque, como reacção moral às barbaridades das guerras mundiais. No mesmo sentido, na Europa, a França e a Alemanha, juntamente com os países europeus mais atingidos pela guerra e parceiros do plano Marshall de reconstrução e americanização da vida, segundo o modelo desenvolvido pelo New Deal entre o Estado norte-americano e a general Motors.

A forma actual das diversas instituições, com o peso da história de cada uma, na era neoliberal, começa a constituir-se noa anos 90. Banco Mundial, FMI e outras instituições para o desenvolvimento foram usadas pelas forças dominantes na governança global para fins próprios, independentemente dos fins para que foram estatutariamente criadas. Tornaram-se sede de uma agenda ideológica transmitida vigorosamente para todo o mundo. Influenciaram mais algumas instituições globais, como as da saúde ou agricultura, e menos outros, como as da cultura, direitos humanos e igualdade de oportunidades.

A globalização é causada por tendências de longa duração, umas desde as Descobertas, há mais de meio milénio, desde a Revolução Francesa e da Revolução Industrial, a respeito da ideia de uma única humanidade, de origens religiosas, desde a utopia pacifista que persiste. Novos materiais, transportes e tecnologias de informação e comunicação – computadores, internet, mercado intrabancário, bolsa global de valores, transportes baratos e rápidos, restrições securitárias  à mobilidade das pessoas – tudo isso representa, no final do século XX, novas possibilidades e novos conflitos e violências.

Após as vitórias políticas e ideológicas neoliberais na Grã-Bretanha e nos EUA, para além das práticas diplomáticas previamente existentes, a ONU criou dinâmicas de afirmação de uma sociedade civil global através da institucionalização da intervenção na governança global de ONG´s com vista a influenciar a agenda global perante problemas específicos, como sejam as mudanças climáticas, a pobreza, a fome, a SIDA, o desenvolvimento sustentável, a emancipação das mulheres, etc.

Com vista à conceptualização foram identificadas duas tendências: a holista (durkheimiana) e a da separação de dimensões analíticas (weberiana). A primeira considera a globalização como uma coisa, enorme e inelutável, indiferente às opiniões que sobre ela se possa expressar. A segunda enfatiza as diferentes dinâmicas de desenvolvimento, por exemplo, a nível financeiro e político, cujos desequilíbrios provocam crises sociais e civilizacionais. Foi sugerido que ambas as perspectiva comportam as suas utilidades cognitivas, sendo a primeira mais adequada para compreender situações revolucionárias – como a vivida em Portugal, no 25 de Abril – quando as dimensões estruturadas da vida se misturam e confundem, obrigando-nos a discutir política no trabalho e trabalho na política (como quando os capitães misturavam as discussões sobre o pré com as do derrube do regime fascista, e tudo lhes parecia coerente e lógico, apesar da sua impreparação política). A segunda perspectiva pode ser sobretudo útil para aprofundar conhecimentos em períodos de normalização, como os vividos em Portugal entre Dezembro de 1975 e 12 de Março de 2011, quando a primeira das manifestações multitudinárias manifestou um novo sentir do povo português a emergir. Naquilo que alguns autores chamam a anormalidade normal que acompanha a intervenção estrangeira na governação do país.

25 Set

Para clarificação e concretização do sentido das tarefas do curso, em particular das escolhas de temas e grupos e da escolha de alvos empíricos em torno dos quais incidirá o trabalho de cada grupo, esta aula foi ocupada com a apresentação das intenções de cada estudante/grupo e uma breve discussão sobre orientações possíveis do trabalho, caso a caso.

No caso do Amílcar verificou-se, por um lado, um activismo muito estruturado na comunidade surda e um interesse muito definido sobre as linguagens gestuais e orais e respectivas características e formas de tradução. Confirmou-se a abertura dos docentes das cadeiras espalhadas pelo mundo – Milão, Reino Unido, Miami, Los Angeles e outra cidade norte-americana – ao tema da “deficiência” ou “pessoas com necessidades especiais” (não foi discutida na aula a melhor terminologia a usar em português). Por outro lado, tomou-se consciência de que havendo pouca margem para negociação de interesses, a formação de grupos torna-se tarefa mais difícil. E, portanto, verificando-se alguma dificuldade a esse nível, há que ponderar simplesmente cumprir o programa da cadeira fora do trabalho dos grupos. O que é válido para o caso do Amílcar como para qualquer outro estudantes, naturalmente.

Isso não quer dizer que esteja interdita a colaboração desse estudante com a rede da cadeira. Esta colaboração terá de ser concretizada à margem dos trabalhos da cadeira, através de contactos email que possam vir a ser bem acolhidos por outro qualquer parceiro.

No caso do Alexandre, deu-nos um exemplo a seguir do que poderia ser um modo interessante e útil de trabalho na cadeira: a entrega, por parte dos estudantes, de um pequeno texto semanal para apreciação dos docentes e da turma. O texto do Alexandre ficou registado no site da cadeira e permitiu uma reacção dos docentes, dizendo que o primeiro ponto de ancoragem do trabalho da disciplina deveria ser uma actividade já em curso – sediada numa qualquer ONG ou outra organização – em torno da qual fosse possível fazer breves trabalhos de observação (sites, actividades registadas e/ou em curso, actividades de activistas tomados em termos pessoais, etc.) inspiradores para o que possa vir a ser a pequena contribuição do trabalho de grupo nesta cadeira: um projecto de acção a desenvolver de forma organizada no futuro, dirigido à inovação da acção na área ou ao aprofundamento de alguma linha de trabalho previamente existente.

Um conhecimento antecipado de uma organização que trabalhe no campo da justiça social ou/e dos direitos humanos permitirá ter bases para apresentar interesses e discutir orientações com os grupos internacionais, com quem teremos de encontrar planos de trabalho (comparativo) em comum.

A aula foi usada para pressionar os estudantes a decidirem rapidamente sobre a constituição dos grupos em Lisboa (duas pessoas, de preferência), sobre o tema e sobre o “terreno”, isto é, a organização sobre a qual se irão processar as observações. Foi indicado o lugar onde podem encontrar dois exemplos de resultado de trabalhos finais esperados. E foi anunciada a necessidade de ter estes assuntos resolvidos na próxima semana, para se poder, a partir daí, explorar as possibilidades de contactos e negociações com grupos de outras universidades.

18 Set

Constatámos a presença entre os alunos de um activista da comunidade de surdos, que nos chamou a atenção de a universidade não estar preparada para acolher estudantes com aquele tipo de limitações. E ter de ser de sua própria iniciativa pessoal obter autorizações para conseguir trazer consigo uma tradutora de língua gestual, capaz de entender português, francês, inglês e as respectivas línguas gestuais.

Pode dizer-se que a globalização (da informação e do conhecimento) revela, na sua faceta mais positiva, as desigualdades anteriormente ignoradas, pois os surdos nem sequer tinham acesso aos mundos do conhecimento que agora se lhes abriram por via da internet. Eis uma lição viva, que podemos acompanhar durante as aulas e para que chamo a atenção dos alunos.

Esta primeira aula fez compreender aos alunos a necessidade de cumprir – em tempo útil – um programa de actividades ajustado à oportunidade de trabalhar com estudantes e universidades de outras partes do mundo. Um syllabus de 14 semanas de aulas duplas para o 1º ciclo será acompanhado por 10 semanas de 1 aula cada por estudantes do 2º ciclo. Um programa de leituras intenso terá que ser substituído, pela nossa parte, por um acompanhamento intenso e participado das actividades da cadeira por parte dos grupos.

Para o efeito existem vários instrumentos, entre os quais o site da disciplina em Lisboa, o site internacional da disciplina (vulgo NING), um calendário de tarefas a cumprir e um calendário de aulas a frequentar, dividido em duas partes: as primeiras cinco aulas de preparação teórica dos trabalhos de grupo; as segundas cinco aulas e um mês de Novembro praticamente sem aulas – mas com disponibilidade para aulas tutoriais por parte dos docentes – com vista a avançar no trabalho de campo.

 As tarefas principais dos estudantes são:  

1. Organização de grupos/temas

2. Participação no blog do site Ning

3. Apresentação do projecto final, até 10 de Janeiro de 2014.

Na próxima aula esperamos poder ter cumprida a primeira tarefa, de modo a possibilitar a organização do acompanhamento dos grupos por parte dos docentes e por parte dos colegas de outras universidades, junto de quem iremos procurar parceiros de grupo, tipicamente dois a dois.

O Blog do NING dispõe de dois posts deixados pelos colegas internacionais, sobre os quais nos debruçámos. A sua leitura sugeriu aos estudantes comentários, que registamos de seguida:

Alexandre Vaz: a globalização não pode ser vista apenas numa perspectiva política e económica; tem também aspectos culturais; tem implicações epistemológicas.

Filipe Gonçalves: agravamento das desigualdades parece-lhe um dos principais efeitos da globalização.

Tobias Link: para lidar com os problemas do mundo, não basta uma “strong governance”; também estão em jogo valores e o empowerment dos cidadãos.

Pedro Lago: Não há apenas uma globalização, mas várias; e podem ser vários os pontos de vista sobre estas.

Helena Mateus: Um efeito importante da globalização: favorece a corrupção. Grave problema: como fazer o balanço dos efeitos positivos e negativos.

Cheila Cardoso: Valeria a pena tentar dar conta das relações entre globalização e crise económica. Os pontos de vista sobre a globalização podem variar muito, nomeadamente de uma geração para a outra.

Clémentine Ronseaux: A ideia de um governo global não é nova e não tem conduzido a grandes resultados; dever-se-ia dar mais importância às dinâmicas locais.

Amílcar José Morais: Preocupado com os impactes sobre a comunidade surda. Exemplos: o desenvolvimento das tecnologias de comunicação tem tido um impacte mais positivo; iniciativas no domínio educativo que põem em causa as línguas de sinais um impacte mais negativo; os progressos da medicina levantam novos desafios bioéticos.

No final uma breve discussão focou o aspecto do valor da consideração da separação entre os sistemas económico e político, em particular na sua aplicação interpretativa da crise actual, que terá começado com a crise financeira em 2007 e só em 2010 passou a ser política, isto é, uma crise das dívidas públicas, sobretudo na Europa. Mas focou também a contestação dessa divisão funcional ou sistemática das sociedades globalizadas, quando se contrapôs a aliança entre os estados e os meios financeiros a favor do 1% e contra os 99%, simplificadamente representando as redes sociais globais de contestação das orientações políticas dominantes, na Europa, nos EUA mas também no Norte de África, na Turquia, no Brasil. Para os que sentem a opressão, política traduz-se em economia e vice-versa. Para quem procura contradições nos sistemas institucionais, separar as culturas e instituições de finalidades económicos e políticas pode ser relevante.

Por fim detivemo-nos a fazer uma primeira aproximação aos temas e grupos desejados pelos estudantes presentes.


Semestre de inverno 2012


Aula de 14 de Novembro de 2012

(aula dada por APD) Na primeira aula falou-se de diferentes níveis de realidade, de baixo para cima. Na segunda aula falou-se dos segredos sociais, dos fenómenos de ocultamento social e sensorial de aspectos (imorais) da realidade. Nesta terceira aula falaremos da estruturação separada dos mundos virtual e prático (do que se diz e do que se faz) como duas formas - de cima e de baixo - de intervir nas realidades (o que é).

Aula de 7 de Novembro de 2012

(aula dada por APD) A vontade de justiça produziu declarações supra judiciais sobre direitos naturais a serem considerados em todas as situações através das revoluções modernas e, a partir da declaração universal feita na ONU, abriu-se um processo de institucionalização, que ainda continua hoje, e que tem uma história não necessariamente altruísta e solidária. Pelo contrário, como todos os processos de institucionalização, a dos tribunais dos direitos humanos dependem de recursos materiais, empenhamentos pessoais e oportunidades políticas frequentemente escondidas e perversas nas suas tricas, cf. Madsen (2010) em "resources".

O processo de escamotear a prática de perversidades, sejam torturas ou violência doméstica, não é estranho à natureza humana. 

Aula de 31 de Outubro de 2012

(aula dada por APD) Ponto da situação dos trabalhos para avaliação dos estudantes por Pierre Guibentif. Informação do fecho efectivo da possibilidade de participação em grupos globais disponíveis na UC sem participação do ISCTE.

Apresentação da noção de níveis de realidade e discussão do seu interesse cognitivo e analítico.

Os mais altos níveis de realidade realizam-se, atingem-se, vivem-se à medida que as crianças se tornam adultas, e entre as pessoas adultas conforme o esforço e treino que dedicam a elevarem as respectivas experiências. Os seres humanos têm, neste aspecto, potencialidades que outras formas de vida não dispõem, tanto em termos de elevação, como em termos de efectividade dos efeitos práticos desse trabalho. Trabalho que não é só nem sobretudo pessoal. A organização do trabalho e das sociedades (o Estado) são formas de estabilizar a elevação de alguns de entre os seres humanos de modo a facilitar o trabalho conjunto e, muitas vezes também, a favorecer a distinção social entre as pessoas. Onde esses diferentes níveis podem ser facilmente materializados é nos diferentes circuitos de circulação de informação reservada e apropriada a certos grupos de actores sociais credenciados e comprometidos em zelar pelo valor dessa informação. De outro ponto de vista, a espécie humana cria um mundo virtual por via da sua faculdade de criar mundos virtuais através da sua muito desenvolvida capacidade de expressão, mundo esse com vida própria eventualmente contraditória (por defeito ou como forma de escamotear) a vida quotidiana.

As potencialidades da elevação de alguns aspectos da vida a níveis mais altos não é necessariamente uma coisa boa, como o mostrarão o socio-centrismo, o etnocentrismo, o desenvolvimento das desigualdades sociais, os processos de encobrimento social de práticas perversas. O mesmo se passa com as instituições globais, ao mesmo tempo esperança de humanização de todos os seres humanos e agentes de políticas que não protegem os direitos humanos. 

Aula de 24 de Outubro de 2012

(aula dada por PG) Inventário com os presentes dos trabalhos em curso.

Justiça social: A - Os vários conceitos e os seus contextos históricos: A justiça universal responde ao sentimento de injustiça de quem sofreu os efeitos de uma conduta proibida, numa colectividade onde alguém tem os meios de castigar quem adoptou esta conduta (chefe, rei). Distinguem-se a justiça comutativa e a justiça distributiva numa colectividade onde se distinguem uma esfera pública onde se processam relações de troca entre prestações equivalentes, e esferas privadas nas quais cada um recebe de acordo com a sua posição. B - O conceito de "justiça social":  a reivindicação de "justiça social", que surge durante o séc. XIX, também pode ser relacionada com um tipo específico de colectividade: a sociedade nacional moderna. Características: claramente delimitada pela nacionalidade; produzindo mais do que apenas o necessário para a subsistência; dividida pela formação, que resulta do processo de produção, de categorias sociais que acedem de maneira notoriamente desigual aos produtos; que é suposta governar a si própria graças a instituições democráticas. A "justiça social" que se reivindica numa colectividade com estas características é "social" no sentido em que (1) tem como colectividade de referência uma "sociedade nacional", (2) apela à distribuição do produto da actividade societal, (3) diz respeito à situação de categorias inteiras da sociedade, (4) deveria resultar de decisões tomadas pela própria sociedade através de processos políticos. - C - Justiça social e globalização: propõe-se esquematicamente duas perspectivas: (a) A globalização conduzindo a uma exigência de justiça social global. Neste sentido: (1) circulação de informações que favorecem em muitos lugares a percepção do que se vive nas outras partes do mundo; uma discussão mundial sobre os direitos humanos; factores que dão substância a uma noção de humanidade como colectividade concreta; (2) actividade económica programada para associar intervenientes do mundo inteiro, e observada por entidades especializadas enquanto actividade humana global; (3) percepção de desigualdades entre regiões do mundo; de desigualdades que atravessam todas as regiões (questão do género, em particular). Em contrapartida (4): não existem actualmente estruturas que permitam acordar em termos vinculativos políticas de protecção e redistribuição à escala global. O que obriga a adoptar a outra perspectiva: (b) A globalização alterando as nossas percepções dos colectivos a que pertencemos até ao ponto de os sentimentos de justiça correspondentes não poderem ser qualificados, num sentido mais preciso, de aspirações à "Justiça social": (1) migrações, alterações culturais, individualização, que poderiam, a longo prazo contribuir para a integração de uma sociedade-mundo, na actualidade estão a pôr em causa os contornos das sociedades nacionais (o que poderá suscitar reacções xenófobas); (2) a actividade produtiva mundial se revela predatória; o produto susceptível de ser redistribuído poderá deixar de crescer e até diminuir; (3) a diversidade do problemas enfrentados segundo as regiões impossibilita a formulação de reivindicações eficazes, comparáveis às do operariado à escala nacional do fim do século XIX-séc. XX. Vejam-se as dificuldades de entendimento nos Forums sociais que se organizaram na última década; as tensões entre os sindicatos e ONGs representativas de outros interesses. (4) A esfera política altera-se pelo facto de, no plano mundial os estados agora coexistirem com actores privados organizados em grande escala (multinacionais, ONG). Os estados deixam de estruturar economias nacionais; encontram-se condicionados pelas estruturas da economia mundial (mercados, organizações internacionais empenhadas em melhorar as condições de funcionamento destes mercados; empresas escolhendo os estados onde / pelo meio dos quais operam. - Neste contexto, a reivindicação global já não é apenas uma de melhor redistribuição de bens e serviços, mas de uma participação - digna - na actividade societal, isto é: em condições decentes, e com alguma estabilidade. Veja-se em particular as tomadas de posição da OIT a favor do "trabalho digno".

 

Aula de 17 de Outubro de 2012

(aula dada por PG)

Inventário dos trabalhos iniciados pelos estudantes.

Esclarecimento sobre a possível dimensão global do trabalho a realizar: estão a formar-se grupos de estudantes de diferentes universidades envolvidas no projecto (ver duas listas destes: lista 1 / lista 2, assim como as indicações para se juntar a um grupo). O princípio é: procurar um grupo cujo tema geral tenha ligações com o tema específico que interessa a/o estudante. Encontrar-se-ão depois modalidades de entrega de um trabalho aqui, elaborado pela/o estudante da presente UC, que se apoie no trabalho realizado pelo gropu internacional, eventualmente podendo ser um capítulo deste.

Evidentemente, esta modalidade requer que os "posts" e o trabalho final sejam redigidos em inglês.

As/Os estudantes interessados nesta modalidade devem fazê-lo saber até 18 de Outubro ao Prof. Doutor António Pedro Dores, que poderá submeter estes interesses ao Prof. Doutor Rodney Coates. Tem que ser sem mais demora, pois a formação dos grupos internacionais está a ser concluída agora mesmo.

Outras indicações:

- Até ao dia 24 de Outubro, têm todas e todos imperativamente que ter-nos comunicado a direcção do seu blog, e ter começado a redacção de "posts". Até essa data, no mínimo dois, por exemplo: um justificando o tema do vosso trabalho e a sua pertinência para a UC; um para dar conta de um primeiro inventário de entidades, iniciativas pertinentes em Portugal e no estrangeiro ?

- Têm que ter pedido um acesso ao site internacional ao António Pedro Dores, validado este acesso, e inventariado nesse site internacional o que vos poder interessar para o vosso projecto. Neste momento, são apenas 2 membros de Lisboa no site, deveriam ser pelo menos 11 no próximo dia 24.

(Estas indicações foram comunicadas também por mail às/aos estudantes presentes na aula de 17 de Outubro.)

A discussão dos projectos perspectivados pelas/os estudantes leva a formular o seguinte esclarecimento: importa contemplar no trabalho a dimensão global, que faz a especificidade da UC. De duas maneiras, que se poderão combinar: (a) o "problema social" / a "injustiça social" / a ofensa aos direitos humanos a ser tomada como tema tem causas ligadas à globalização, e/ou é sofrida à escala global; (b) os actores que se formaram para intervirem face a este problema inserem-se eles próprios em redes globais e/ou actuam à escala global.

 

Aula de 10 de Outubro de 2012

(aula dada por PG)

Apresentação do módulo "Globalização e Justiça Social".

Esclarecimentos sobre o material disponível - e a produzir - em linha:

- Site internacional da coordenação do projecto global de ensino "Globalization, Social Justice and Human Rights";

- Site do ensino português parceiro neste projecto global, produzido pelo coordenador da UC, António Pedro Dores;

- as presentes páginas web complementares de apoio às aulas de Pierre Guibentif;

- Os blogues das/dos estudantes.

Esclarecimentos sobre o trabalho a realizar:

- Finalidade e conteúdo: elaborar um projecto de intervenção do domínio temático da UC, na medida do possível em ligação com as actividas já actualmente levadas a cabo por algum actor organizado activo neste domínio. Deve dar lugar a um documento escrito entregue no final do semestre, a discutir com os docentes.

- Modo de trabalhar: desenvolver este trabalho progressivamente ao longo do semestre, dando conta das etapas sucessivas de trabalho (leituras preparatórias, visitas a associações, reflexões metodológicas, etc.) em "posts" semanais colocados em blogues a criar para o efeito.

Primeira abordagem à matéria:

- Globalização: noção que, na "área latina", merece ser comparada com a de Mundialização. Ambas noções pretendem captar um processo que já não é pertinente, em rigor, qualificar de "Internacionalização". "Globalização" designa um processo caracterizado em particular (1) pela extensão planetária de determinadas actividades diferenciadas (transacções, produção científica, circulação de dados e informações, etc.), (2) pelo facto de esta extensão se dever não apenas às actividades dos estados, mas também de outros grandes actores organizados (multinacionais, ONG). Mundialização designa o processo pelo qual se estabelecem, entre as populações dos vários estados e regiões do mundo relações de conhecimento mútuo e de interdependência de uma densidade suficiente para justificar que se comece a falar de uma "sociedade mundo".

Justiça: apresentação de um conceito geral: facto de um indivíduo se ver reconhecido o lugar que lhe é devido numa determinada colectividade. Noção que depende, logo, do tipo de colectividade, e que pode assim variar. De facto surgiram historicamente vários conceitos de justiça (ver um breve texto do docente sobre a "Perpétua vontade de justiça").

 

 

ligações para aulas futuras Dinâmicas sociais

Aula de 26 de Setembro de 2012

(aula dada por APD) Revisão do programa e da avaliação da cadeira. Verificação do atraso na produção de post para avaliação.

Apresentação sumária da crítica da sociologia à violência e dos limites que tal crítica revela sobre as condições de produção da teoria social. Utilização do texto " A violência e a sua crítica sociológica " de autoria do docente.

ligações: Sociologia da violência;

 

Aula de 19 de Setembro de 2012

(aula dada em conjunto APD/PG) Apresenteção do site da cadeira, do site internacional do programa, do programa de trabalho dos estudantes e docentes. Apresentação das duas associações nas quais o trabalho irá de correr (CAIS e Fábrica de Braço de Prata). Cada aluno escolheu a associação em que vai trabalhar.

Foram dadas Indicações aos estudantes na perspectiva dos trabalhos a realizar, individualmente (um “post” por semana e por estudante; 9 “posts” por semestre; em princípio em português e inglês) e em grupo (projecto de intervenção). Apresentação do calendário das aulas: justiça social (4 aulas dadas por PG); direitos humanos (4 aulas dadas por APD); globalização (2 aulas dadas por APD/PG).


Semestre Primavera 2012


ano lectivo 2011/2012

Human Rights at different social levels - apresentação de slides Prezi das aulas (APD)

Aula de 17 de Maio de 2012

(dada por APD)

Direito e Teoria Social

A Lei interpela o nível mais abstracto da realidade social, em particular a sua dimensão normativa, o desejo e imaginação proactivos, pelo menos no sentido virtual. Na verdade, geralmente os constrangimentos práticos não suportam as utopias idealizadas. As frustrações não podem ser evitadas. Mas as lições da experiência, como a prudência, no duplo sentido de tolerância aos erros alheios e consciência de que as mudanças não ocorrem porque alguém quer - seja esse alguém um ser dominante ou um ser marginal - por muito que haja quem reivindique ser a causa de efeitos que não tem poder para realizar.

Por exemplo, o facto de se dizer que na passagem do Antigo Regime para a República a burguesia substituiu a aristocracia pode esconder, de facto, uma aliança entre estes dois modos de vida para continuaram, cada uma a seu modo, a ser dominantes contra a maioria da população. Aliança essa que deixou à aristocracia o pilar judicial do Estado moderno, o que pode ajudar a pensar a decadência actual dos aparelhos judiciais no mundo ocidental como uma forma de luta de classes distinta da que é mais conhecida - entre patrões e trabalhadores.

Os Direitos Humanos serão, nesse caso, um motivo e um instrumento dessa luta, nomeadamente quando os tribunais reagiram perante a globalização auto-atribuindo-se poder globais, como aquele de prender Pinochet. Poderes esses que, para já, recuaram, como também recua o respeito pelos direitos humanos.

Honneth, da Escola de Frankfurt , enfatiza o respeito e a dignidade como o novo centro das preocupações da teoria social de origem nessa famosa instituição, actualizando assim a atenção de Habermas à comunicação e ao espaço público. 

Aula de 26 de Abril de 2012

(dada por APD)

Globalização e Direitos Humanos

A história dos direitos humanos é parte da história contemporânea, desde a Revolução Francesa até à Declaração Universal das Nações Unidas, desde a colonialismo até à época em que são os estados ocidentais que mais lutaram pelo seu reconhecimento quem parece abandonar o respeito pelos DH.

A história dos DH é também a história da clarificação dos propósitos da sua aplicação a todo o mundo, e não apenas às pessoas que alegadamente possam merecê-lo. Foi por isso que se sentiu a necessidade de completar a Declaração Universal com declarações específicas sobre mulheres, crianças, migrantes e suas famílias, povos indígenas e outras "minorias" estigmatizadas.

A sociedade torna-se mais sensível à equidade quando reconhece o valor dos Direitos Humanos. Mas a sociedade ideal revela-se, ao mesmo tempo, como uma perspectiva longínqua, necessitada de desenvolver uma longa luta de grande fôlego pela justiça e pela justiça social, de uma forma ao mesmo tempo muito abstracta e particular, isto é, independentemente das ideologias mas de forma praticamente efectiva.

 

Aula de 19 de Abril de 2012

(dada por APD)

Direitos Humanos aos diversos níveis sociais

A complexidade de sentidos e práticas associadas aos Direitos Humanos será apresentada a partir da conceptualização de 3 níveis distintos de realidade. O nível inferior, referindo-se ao nível biológico da nossa existência, o nível intermédio, o que se relaciona com os constructos institucionais e comunitários dialecticamente interligados entre si, e o nível superior, onde se podem encontrar a inteligência e os valores colectivos.

 

As 3 lições sobre Direitos Humanos organizam uma discussão sobre cada um destes níveis sociais. Justiça Social no fundo, Globalização no nível intermediário e Direito no nível superior.

 

Justiça Social refere-se a um estado de coisas, a um sentimento, a um território e quem lá vive, à satisfação perante um certo tipo de contrato social, um modelo de desenvolvimento, uma estrutura institucional e à felicidade com que as pessoas vivem.

Direitos Humanos dizem respeito à expectativas futuras da humanidade para si própria, a partir do olhar das pessoas bem intencionadas: todas e cada uma das pessoas deve ter acesso aos recursos mínimos capazes de satisfazerem as suas necessidades básicas de sobrevivência digna em condições de modernidade.

 

Sumário aula de 22 de Março de 2012

(aula dada por PG)  Troca de impressões sobre os blogues e sobre os trabalhos a realizar. Trabalhos: conviria especificar melhor os temas/terrenos, sempre com esta noção: o que se passa aqui e agora participa em dinâmicas mais amplas (locais, regionais, globais?) cujas características poderão ser melhor entendidas a partir do evento / da iniciativa que se observa aqui e agora. Poderiam ser conduzidos junto de (a) pessoas que sofrem directamente determinado(s) problema(s); (b) entidades que intervêm nas respostas a este(s) problema(s); (c) actores que defendem / procuram incentivar determinada(s) resposta(s). Poderiam consistir mais convencionalmente numa reconstituição das percepções do(s) problema(s), tal como relacionada com percepções (i) da colectividade à escala da qual se considera dever responder-se ao(s) problema(s); (ii) dos recursos disponíveis para responder; (iii) das necessidades em causa; (iv) das possibilidades e modalidades de acordar uma resposta. Também deveriam se possível abranger um componente de intervenção prática, permitindo não apenas observar, mas experienciar estes vários aspectos e dinâmicas que os poderão atravessar. Perspectiva mais realista talvez na hipótese de se abordar actores (c). Blogues: poderiam ser mais estreitamente relacionados com projectos de trabalho mais específicos e realizados de maneira mais cumulativa. - III - Justiça social e globalização (cont.): propõe-se esquematicamente duas perspectivas: A: A globalização conduzindo a uma exigência de justiça social global. Neste sentido: (1) circulação de informações que favorecem em muitos lugares a percepção do que se vive nas outras partes do mundo; uma discussão mundial sobre os direitos humanos; factores que dão substância a uma noção de humanidade como colectividade concreta; (2) actividade económica programada para associar intervenientes do mundo inteiro, e observada por entidades especializadas enquanto actividade humana global; (3) percepção de desigualdades entre regiões do mundo; de desigualdades que atravessam todas as regiões (questão do género, em particular). Em contrapartida (4): não existem actualmente estruturas que permitiriam acordar em termos vinculativos políticas de protecção e redistribuição à escala global. O que obriga a adoptar a outra perspectiva: B: A globalização alterando as nossas percepções dos colectivos a que pertencemos até ao ponto de os sentimentos de justiça correspondentes não poderem ser qualificados, num sentido mais preciso, de aspirações à "Justiça social": (1) migrações, alterações culturais, individualização, que poderiam, a longo prazo contribuir para a integração de uma sociedade-mundo, na actualidade estão a pôr em causa os contornos das sociedades nacionais (o que poderá suscitar reacções xenófobas); (2) a actividade produtiva mundial se revela predatória; o produto susceptível de ser redistribuído poderá deixar de crescer e até diminuir; (3) a diversidade do problemas enfrentados segundo as regiões impossibilita a formulação de reivindicações eficazes, comparáveis às do operariado à escala nacional do fim do século XIX-séc. XX. Vejam-se as dificuldades de entendimento nos Forums sociais que se organizaram na última década; as tensões entre os sindicatos e ONGs representativas de outros interesses. (4) A esfera política altera-se pelo facto de, no plano mundial os estados agora coexistirem com actores privados organizados em grande escala (multinacionais, ONG). Os estados deixam de estruturar economias nacionais; encontram condicionados pelas estruturas da economia mundial (mercados, organizações internacionais empenhadas em melhorar as condições de funcionamento destes mercados; empresas escolhendo os estados onde / pelo meio dos quais operam. - Neste contexto, a reivindicação global já não é apenas uma de melhor redistribuição de bens e serviços, mas participação - digna - na actividade societal, isto é: em condições decentes, e com alguma estabilidade. Reage-se assim a uma precarização e pressões que resultam em boa medida da evolução das organizações no sentido de privilegiar a sua própria lógica de funcionamento face às necessidades existenciais humanas. Reivindicações formuladas por "indignados", cujo nome merece ser relacionado - também - com a terminologia do "trabalho digno" promovida nestes últimos anos pela OIT. Um desafio para trabalhos a realizar aqui e agora seria analisar melhor as reivindicações desta natureza - assim como as reacções face a estas, e as suas relações com reivindicações de justiça social no sentido que a expressão revestiu nas décadas passadas.

 

Sumário aula de 15 de Março de 2012

(aula dada por PG) Desenvolvimentos da definição de "justiça" social exposta na aula anterior. II - Aplicações empíricas: a definição fornece orientações para a observação. Podem observar-se (a) os próprios interessados; (b) actores que os defendem; que defendem determinadas posições nos debates sobre o tema; (c) responsáveis ou funcionários de agências que implementam dispositivos pretendendo concretizar a justiça social. Junto destas várias categorias de pessoas, podem observar-se concepções de justiça social (a analisar segundo a análise proposta: colectividade pertinente; produto da actividade societal por distribuir; categorias desfavorecidas; possibilidade e decisões políticas de redistribuição). Que se podem expressar pela positiva, ou pela negativa (experiências de ofensa às concepções de justiça interiorizadas). Pergunta de investigação: será que as representações observadas podem ser qualificadas de expectativas de justiça social no sentido mais preciso que se pode dar ao conceito, ou será que outras concepções predominam? Como então qualificá-las? - Estas concepções não são estáveis; evoluem no tempo, em particular pelo efeito de debates públicos nos quais se confrontam. Importância das palavras utilizadas nestes debates. - III - Justiça social e globalização. Exposição preliminar: Justiça social e internacionalização: a noção de justiça social desenvolve-se a partir de comparações entre experiências nacionais: comparação entre nações; entre a produtividade das nações; entre as estruturas sociais das nações; entre os sistemas políticos. - Esta comparação foi institucionalizada pela criação da Organização internacional do Trabalho. Na actualidade, a OIT tem centrado parte do seu trabalho - ver as suas missões - precisamente no tratamento das relações entre globalização e justiça social: ver a sua Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Equitativa.

 

Sumário aula de 8 de Março de 2012

(aula dada por PG) Justiça social: I - definição do conceito: A - definição do conceito de justiça: opta-se por um conceito restritivo, partindo da versão negativa. É injusto o que ofende as expectativas que se tinha perante a colectividade. Pode, portanto, haver várias concepções do que é injusto, de acordo com várias concepções de colectividade. A justiça universal responde ao sentimento de injustiça de quem sofreu os efeitos de uma conduta proibida, numa colectividade onde alguém tem os meios de castigar quem adoptou esta conduta (chefe, rei). Distinguem-se a justiça comutativa e a justiça distributiva numa colectividade onde se distinguem uma esfera pública onde se processam relações de troca entre prestações equivalentes, e esferas privadas nas quais cada um recebe de acordo com a sua posição. Etc. (ver  um breve texto do docente sobre esta temática). B - O conceito de "justiça social":  a reivindicação de "justiça social", que surge durante o séc. XIX, também pode ser relacionada com um tipo específico de colectividade: a sociedade nacional moderna. Características: claramente delimitada pela nacionalidade; produzindo mais do que apenas o necessário para a subsistência; dividida pela formação, que resulta do processo de produção, de categorias sociais que acedem de maneira notoriamente desigual aos produtos; que é suposta governar a si própria graças a instituições democráticas. A "justiça social" que se reivindica numa colectividade com estas características é "social" no sentido em que (1) tem como colectividade de referência uma "sociedade nacional", (2) consiste em distribuir o produto da actividade societal, (3) diz respeito a categorias sociais, (4) deveria resultar de decisões tomadas pela própria sociedade através de processos políticos. - II - Implicações do conceito: A - Apreciação geral: Apelo que conduz não necessariamente ao colectivismo, contrariamente ao que certos críticos sugerem, mas a um processo de confrontação entre direitos, e de procura de soluções técnicas - jurídicas, organizacionais e económicas - de reconhecimento e conciliação entre estes direitos. Processo que, historicamente, conduziu ao desenvolvimento dos sistemas actuais de protecção social. B - Ambivalências inevitáveis: (a) o desenvolvimento de um dispositivo organizacional e de correspondentes circuitos financeiros vai dar lugar a uma máquina cuja evolução e impacto sobre a colectividade se poderá tornar difícil de se controlar. (b) a codificação dos interesses em "direitos" vai condicionar as percepções que todos os intervenientes têm da situação social. C - Implicações para o estudo de domínios concretos: numa primeira etapa, convirá analisar (a) as percepções que as pessoas interessadas têm das suas situações e dos seus direitos; (b) as práticas das entidades que actualmente intervêm na garantia dos direitos dessas pessoas; (c) as actuações de eventuais grupos que se poderiam ter formado para apoiar os direitos das pessoas interessadas.

 

Sumário aula de 16 de Fevereiro de 2012

(aula dada em conjunto APD/PG) Inventário dos blogues criados pelos estudantes, e das perspectivas de trabalhos finais. Indicações aos estudantes na perspectiva dos trabalhos a realizar, individualmmente (um “post” por semana e por estudantes, mesmo nas semanas sem aulas; 14 “posts” por semestre; em princípio em português e inglês) e em grupo (projecto de intervenção, eventualmente ligado a iniciativa de um actor ou movimento constituído). Apresentação do calendário das aulas: justiça social (3 aulas dadas por PG); direitos humanos (3 aulas dadas por APD); globalização (2 aulas dadas por APD/PG).


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